sábado, 26 de novembro de 2011

Olhares sobre o consumismo - 24/11/2011 - Diário do Nordeste


Educadores, pais, psicólogos, nutricionistas, publicitários, advogados, comunicadores, programadores de televisão, ativistas de cidadania orgânica, estudantes, pesquisadores e estudiosos do consumismo, não poderiam ter melhor presente de final de ano do que a série "Videoentrevistas Criança e Consumo", que esta sendo lançada pelo Instituto Alana (www.alana.org.br) num estojo com quatro DVDs.


Organizada em blocos temáticos voltados para aspectos da mídia e identidade, comportamento e cultura infantil, educação, ética e questões jurídicas, a série entrelaça angulações no esforço de honrar a criança, frente aos impactos negativos da publicidade e da propaganda dirigida ao público infantil. Os entrevistados da diretora Estela Renner são membros do Conselho Consultivo do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana.


Falam de "Mídia e Identidade", a psicanalista Ana Olmos, do Conselho de Acompanhamento de Rádio e TV, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e o professor Pedrinho Guareschi, autor de "Comunicação e Poder", também conhecido pelos textos que por décadas publicou no jornal "Mundo Jovem", da PUC do Rio Grande do Sul. O foco do DVD 1 é a circulação de valores nas comunidades de comunicação e seus efeitos na formação de consciência, afeto e estilo de vida.


No DVD 2, "Comportamento e Cultura Infantil", a professora Inês Vitorino, coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia (Grim), da UFC, a professora Solange Jobim, da PUC-RJ, autora do livro "A subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura", e eu, na condição de jornalista que dá atenção ao tema e de autor de literatura e música infantil, fazemos considerações ao estado da nova infância, numa realidade marcada pelas contradições entre a multiplicidade de fontes de informação e as tendências de padronização comportamental.


O tema "Educação e Mídia" é tratado pelo advogado José Eduardo Romão, que desempenhou papel de grande relevância no processo de classificação indicativa do audiovisual brasileiro, quando diretor no Ministério da Justiça, pelo psicólogo Yves de la Taille, professor do Instituto de Psicologia da USP e autor de "Moral e Ética - dimensões educacionais e afetivas", e do médico José Augusto Taddei, professor de Nutrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Neste DVD 3, eles comentam os limites entre liberdade de expressão e proteção da infância e sobre o consumismo como fator de fragilidade psicossocial e nutricional de meninas e meninos.


E para completar essa rodada de depoimentos em vídeo, os advogados Marcelo Sodré, procurador do Estado de São Paulo, presidente do Conselho Diretor do Greenpeace no Brasil e membro do Conselho do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), e João Lopes, primeiro Promotor de Justiça dos Interesses Difusos e Coletivos do Consumidor, do Ministério Público de São Paulo, e o professor Clóvis de Barros Filho, da Escola de Comunicação e Artes da USP, opinam no DVD 4 sobre "Visão Ética e Jurídica", no âmbito do consumismo na infância.



Como dá para notar, a série "Videoentrevistas Criança e Consumo" é muito oportuna e urgente, no momento em que o consumismo entra em rota de intenso questionamento, como valor e filosofia de vida, pressionado pela ampliação da consciência ecoplanetária e pela crise instalada nas entranhas dos centros econômicos dominantes. No meio dessa turbulência, potencializadora de problemas ambientais e da saúde pública, a principal vítima é a criança, enquanto alvo de caçadores de consumidores.


Vi e ouvi de perto o diretor do Conselho Econômico da Casa Branca, Lawrence H. Summers, dizer no dia 26 de outubro passado, por ocasião do Encontro Nacional da Indústria, realizado no Transamérica Expo Center, em São Paulo, que a estratégia dos Estados Unidos para sair da crise é a promoção de um aumento substancial de demanda. Ele chegou inclusive a cobrar mais abertura do mercado brasileiro, para que sejamos "fornecedores de mais demanda". Esta saída por uma nova agenda de ampliação de consumo repete a fórmula que deu certo na crise de 1929, quando os recursos do planeta pareciam inesgotáveis, mas hoje deveria estar fora de cogitação.


A triste perspectiva aponta para mais pressão consumista e a alegre expectativa sinaliza para a ampliação de alternativas sustentáveis ao estado de degradação social e ambiental a que chegamos. O conflito que está posto se dá entre a coisificação da vida e a elevação do sentido do viver; entre a aposta nos valores de ocasião e na afirmação do ser simbólico. São cenários bem distintos, mas com tangências pela infância, quer encarando a criança como mera consumidora, quer considerando-a pela grandeza da sua predisposição de olhar o mundo amando.


O afluir de consciências despertas para a necessidade de remodelagem dos padrões de vida inspirados nos exageros do consumo, dão um certo alento a quem acredita que outros caminhos são possíveis. No ano de 2005, enquanto o Instituto Alana lançava o projeto Criança e Consumo, o compositor Chico César estava lançando o CD "De uns tempos pra cá". A voz de Chico dizia assim: "Coisas são só coisas / servem só pra tropeçar / Têm seu brilho no começo / mas se viro pelo avesso / são fardos pra carregar"; a palavra da presidente do Instituto Alana, Ana Lúcia Villela, ressoa assim: "Temos vivido um mundo cada vez mais entulhado de objetos e valores dos quais não precisamos".


A ideia de evitar que as crianças sejam assediadas pela comunicação mercadológica, que é o principal compromisso do projeto Criança e Consumo, vem pouco a pouco conquistando parlamentares brasileiros. Desde 2001 que o Projeto de Lei 5.921, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) vem se arrastando pelas comissões da Câmara Federal. Ao completar dez anos, neste 2011, o deputado Emiliano José (PT/BA) realizou um seminário sobre esse PL, com a participação de empresários, publicitários, advogados de empresas e representantes de organizações e órgãos que defendem a infância e o consumidor. O resultado desse debate está em análise pelo relator, deputado Salvador Zimbaldi (PDT/SP).

Assim como o PL 5.921/2001, outros projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, na tentativa de proibir a publicidade em escolas de educação básica (PL 507/2011) do deputado Welinton Prado (PT/MG) e de impedir a veiculação de publicidade direcionada a menores de 12 anos, entre 7h e 22h (PL 702/2011), do deputado Marcelo Matos (PDT/RJ). Com relação à segurança alimentar e nutricional, outros projetos circulam pela Câmara e pelo Senado, levando em conta à prevenção dos impactos da publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis na formação da criança.


E o ano de 2011 termina com vários casos de empresas como Mattel, Lojas Americanas e Del Valle, que foram acionadas pelo projeto Criança e Consumo e multadas pelo Procon, por incentivar comportamentos violentos, propaganda enganosa e venda casada, dentre outros motivos. Cabe destacar ainda em 2011 o caso do autodesmascaramento do Conar, que se vendia como entidade voltada para os interesses da sociedade, mas, diante de denúncia encaminhada pelo Instituto Alana, solicitando a suspensão do comercial de lanches e brinquedos colecionáveis do McDonald´s, durante o trailler do filme "Rio", reagiu agressivamente, deixando claro o seu papel de defensor exclusivo dos interesses de agências e seus clientes.



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Por dentro da cabeça do Dim - 10/11/2011 - Diário do Nordeste

Não me canso de ver e de recomendar o filme "Brinquedim, brinquetu, brincamos nós!". Ele tem apenas oito minutos de duração e todo o tempo que a nossa imaginação consentir. Ao vê-lo, primeiro imaginamos, depois é que percebemos os detalhes do que sentimos, somos e vivenciamos. Com produção executiva de Ângela Madeiro, direção e edição de Rui Ferreira, fotografia de Jane Malaquias, cenografia, direção de arte e brinquedos do artista plástico Dim, é arte que se torna fábula pela conexão que possibilita entre as realidades da mente e do lúdico.


Uma superposição de metáforas explícitas forma a teia da linguagem, da inventividade e do raciocínio complexo desse curta-metragem de espantosa beleza e simplicidade, que pode ser acessado no seguinte endereço de internet: www.youtube.com/watch?v=aeGWBetccJU. Impecável em seu jeito de descrever o que não pode ser descrito e por falar a linguagem do lúdico, que é o idioma comum da humanidade, essa obra pode ser contemplada em qualquer lugar do mundo.


"Brinquedim" não se traduz por palavras, por conceitos ou ideias, ele emerge sutil na frequência das narrativas que não passam pelo racional, pelo consciente, e nem chegam ao irracional e ao inconsciente. Tem a liberdade da poesia, em seus sinais mergulhados na sensação criadora, que passa ao largo da percepção organizada do modo de ver e de julgar, para chegar ao incompreensível, pela reconfiguração do mundo interior.


Parece que as filmagens foram feitas por dentro da cabeça do Dim, do tanto que a imaginação foi capturada e apresentada em seu estágio mais genuíno. Talvez o modo mais eficaz de abordar essa temática tão complexa seja mesmo brincando, como foi feito em "Brinquedim". Colocados para brincar na praça e na lagoa, os bonecos tornaram-se sujeitos dotados de uma poética da universalidade, desorganizando o comportamento padrão do brinquedo.


No set de filmagens, os brinquedos deixam a nossa imaginação à vontade, movimentando-se pelas nossas "vivências", vividas e não vividas. Cada gesto, cada olhar, cada sussurro mudo implica em uma narrativa do nosso enredo, da nossa individuação, potencializando o lúdico em nossos sentimentos e pensamentos. São figuras preexistentes em nossas lembranças de diversão, que, postas diante dos nossos olhos e próximas dos nossos ouvidos, revelam-nos experiências que estão em nós, mas não são somente nossas; que nos colocam no comum da praça, mas com as cores da subjetividade; que nos fazem chegar à tonalidade do ser, de onde emana a espiritualidade, a emoção e a cultura.


A trilha sonora composta por Ronaldo Lopes dá o toque sutil e necessário à fantasia. Primeiro vem a flauta de Sara Kelly apresentando uma acrílica do Dim, retratando bonecos em torre, que, em seguida, aparecem na praça de uma cidade desértica, como se as pessoas tivessem sumido das ruas de casas coloridas e céu azul celeste, para ficar ao abrigo da alma dos brinquedos. A exceção fica com duas crianças que da janela de uma casa observam as gravações com inescapável naturalidade.

O Tocador de Pratos faz "plém, plém, plém" anunciando a brincadeira, tendo a imagem da igreja ao fundo. Entra a dinâmica das cirandas, mão com mão, carrossel, o passeio faceiro do ciclista de uma roda só, juntamente com o violão de Ronaldo Lopes, o baixo de Daniel de Araújo e a percussão de Toby. Protegidos pelos troncos robustos e pelas copas frondosas das árvores, cada qual vai entrando em contato com a sua essência, celebrando a vida, com a leveza, a ancestralidade e o futurismo de uma dança circular.


O filme tomou um caminho bem distinto da forma tradicional de contar histórias envolvendo bonecos. Consegue fazer isso porque exibe uma totalidade complexa, sem abstrações ou efeitos especiais. Tem como cenário a praça principal da cidade de Cascavel e o elenco formado por brinquedos criados pelo Dim. O curta traz a qualidade da luz e da captura fascinante dos movimentos dos personagens, ao narrar o ser por dentro do brincar. É primoroso.


Sons percutidos em ferro e barro, triângulo e pote, voam com pássaros multicores, borboletas agitadas e sombras em rodopio. Os brinquedos de libélulas na lagoa, o mangue ao fundo, a água que atravessa a cerca de madeira e a brincadeira de descer nas varas entram em fusão com a diversão na praça até alcançar o verde das folhagens, no brilho que escapa das sombras, enquanto uma libélula se recolhe ao lado de um cosmogônico cacho de manga. A natureza dorme, a vida sonha.


"Brinquedim, brinquetu, brincamos nós!" é uma obra de inspiração lírica, uma fábula sonora e visual, que conversa diretamente com quem a assiste, mostrando o que tem por dentro da cabeça do Dim. E dentro dela há uma oficina de devaneios brincantes, que parte do fim em busca do começo, de dentro para fora, até chegar ao "si" como grande desafio do "me". A contemplação do encanto, encanta, nos saca do mundo interno, fazendo o percurso invertido do nosso cotidiano abundante em violência simbólica. O filme abre passagem para um mundo intuído, onde natureza e cultura brincam espontaneamente.


Da mesma maneira que muitos jovens recorrem ao "thrash", como válvula de escape para manifestar emoções negativas de afetos desconexos, é lamentável que a sociedade não dê o mesmo incentivo e acesso a recursos artísticos como "Brinquedim", para o exercício do sublime. Sinceramente, obras como esta bem que poderiam ser vistas diariamente nas escolas, como um hino audiovisual da imaginação. Seria como hastear a bandeira do espírito criativo antes do início das aulas.


Apesar da viseira conservadora, que impede muitos de nós de perceber o quanto na educação obter cumplicidade é melhor do que obrigar, filmes como este grau de sensibilidade são produzidos na teimosia de transmitir o belo, como se a afinação do ser fosse um ideal de descendência do artista. Perguntei ao Dim, o que ele espera desse trabalho e ele me respondeu: "Levar um pouco de felicidade para as pessoas". E completou: "Do jeito que as coisas andam, se pararmos de brincar, vamos enlouquecer".


A alegria criadora evocada pela força da fala de beleza nua está presente de modo intenso em "Brinquedim". Não são simples imagens, não são simples sons, nem simples objetos animados. São eclosões, sem interferências de vontades controladoras, prolongando em nós o nosso próprio destino inventivo. Como ato do espírito, o filme toma posse do contraditório como uma potência de relato sensível, sem se confundir com onirismos.


Por ser uma obra experimental, artesanal e despretensiosa, "Brinquedim" reflete um mundo livre da pequenez. Desfragmenta padrões e põe em relevo a imaginação. A fotografia, a música, o movimento, tudo tem grandeza nesse trabalho. Se a imaginação em si é estética, filmar a imaginação é chave de acesso a um mundo não traduzível pelas ideias e metáforas, mas pelo encantamento. Nem pensamento lógico, nem mágico. Imagens e sons para sentir e silêncio de bonecos para ser escutado, porque eles são a mensagem.


É comum ver referências a brinquedos populares apenas como objetos tradicionais. Esse deslocamento da novidade ao passado é um equívoco que se desfaz com o curta "Brinquedim, brincatu, brincamos nós!" e sua linguagem lúdica e atemporal, com a qual faz a ruptura da ética e da estética vigente pelo mais puro movimento da originalidade da brincadeira em tela digital, sua dinâmica de movimentos, cores e sons. Choque lúdico e estético.