quinta-feira, 31 de março de 2011
A família e os limites da escola - Diário do Nordeste - 31/3/2011
quinta-feira, 24 de março de 2011
O Ecad diz que não é bem assim... - Diário do Nordeste -24/3/2011
quinta-feira, 17 de março de 2011
A primavera de Bia Bedran - Diário do Nordeste - 17/3/2011
Tempos atrás a compositora e contadora de histórias Bia Bedran escreveu um livro intitulado "Cabeça de Vento" (Nova Fronteira, 2003). É a história de um menino que ao ser chamado assim "encasquetou" e tratou de descobrir se isso era bom ou ruim. Descobriu que a infância e o vento têm muito em comum porque ambos gostam de viver
E não é que "Cabeça de Vento" acaba de dar nome ao novo DVD com o qual a Bia homenageia todas as pessoas que criam e que compartilham sua arte inventiva com os outros! É primavera no jardim da música e da contação de histórias porque esse trabalho tem flora e fauna nas palavras e nas notas musicais, refazendo percursos, recriando sensações e traduzindo sentimentos, emoções e sentido de ludicidade.
Gravado em 2010 no teatro do Sesi, no Rio de Janeiro, esse DVD é uma obra transetária que sai dos limites do palco e da tela para encontrar o espectador onde quer que ele esteja no tempo e no espaço. É arte testada por toda uma experiência de vida e realizações, que confere à artista a condição de saber o significado do fazer e do que faz. Embora produzido com poucos recursos, o trabalho empolga por guardar em sua essência o incrível acolhimento das obras integrais.
Bia Bedran abre as janelas do audiovisual para mostrar a poética do seu ser, cantando, contando e tocando violão, acompanhada por uma banda formada por Ricardo Pacheco (teclados e programação), Paulão Meneses (percuteria) e Guilherme Bedran (violino, bandolim e vocal). O DVD "Cabeça de Vento", produzido por Maurício Ribeiro, ainda não começou a ser distribuído, mas já pode ser adquirido pelos correios (contato@biabedran.com.br). É um bom presente para as crianças, cuja consciência musical tem sido formada por uma noção de arte como simples produto comercial utilitário.
Com um repertório cheio de composições e histórias antológicas de autoria da Bia ou adaptadas por ela, o DVD reúne temas de grande importância para a cultura da infância na atualidade.
Em "Ciranda do Anel", Bia Bedran canta a história da menina que perde o anel no mar e fica imaginando se ele foi parar no dedo da sereia, na goela da baleia ou se um pescador o encontrou e deu ao seu amor; mas o mar, generoso, dá a ela uma concha de presente. Na música "Quintal", a cantora fala do renascer de uma infância que volta a poder andar solta no mato, a procurar tesouros, a voar que nem passarinho e a brincar com saci pererê.
O movimento segue com "O Trem" que "vai por aí piuí, piuí", apitando em fantasia de café com pão, e passa por "Pedalinho", o brinquedo que leva a criança a singrar devagarinho pelos agradáveis caminhos das águas. Já "Dona Árvore" é uma construção de "Tronco, folhas, galhos tem, fruta, flor e raiz" (...) "Subir, subir, vamos subir", enquanto "Tudo azul" encerra o DVD na comunhão entre cultura e natureza: "Seremos mais, muito mais / A semear a paz / Entre plantas, homens e animais".
Cada música, cada história, cada gesto no palco, se diferencia em um espetáculo sem simplificações forçadas para impor qualquer compreensão. Quando ela canta a música "Videotinha", uma crítica aos adultos que submetem às crianças à pedagogia das telas, ela faz isso simplesmente simulando o formato da telinha numa dança de braços e mãos. É o que ocorre também na narrativa do conto popular "O Pescador, o Anel e o Rei", no qual a dramaticidade reforça naturalmente o incômodo do soberano diante da fé do pescador que gostava de cantar: "Viva Deus e ninguém mais / Quando Deus não quer / Ninguém nada faz".
E assim, o DVD "Cabeça de Vento" oferece quinze diferentes exercícios do olhar, na relação do lúdico com crianças, adultos, seres fantásticos, com o tempo e os objetos. Nesse aspecto, vale destacar ainda a música da "Boneca de lata" que bateu com a cabeça no chão e deu o maior trabalho para fazer a arrumação. "Desamassa aqui / desamassa ali/ pra ficar boa". Não posso deixar de realçar também "As Caveiras", um roque de divertido pavor, marcado pelas batidas do relógio e pela dança das caveiras em seus passeios fora das tumbas, quando elas aproveitam para pintar as unhas, imitar chinês, tirar retrato, jogar xadrez, comer biscoitos e pastéis: "Tumbalacatum tumbalacatá".
Bia Bedran é uma meticulosa artesã da cultura musical brasileira. Desperta interesse com sua narrativa bem modulada e com seu canto cheio de paisagens que têm cheiro de infância. No DVD pode-se ver e rever como seu corpo se expressa com pressa ou sem pressa, em um tempo para cada tempo das notas musicais e das palavras, conforme a força de cada história e de cada canção.
No universo da MPB Infantil ela é a artista mais querida pelas crianças. A meninada a abraça com encanto porque percebe que além da cantora e da contadora de histórias estão abraçando um coração bom, uma alma boa. O que mais distingue a personalidade cativante e o trabalho da Bia é a leveza, a pureza, o respeito ao outro, o algo a dizer e a brasilidade que ela carrega em si e no que faz. A autora do "Cabeça de Vento" tem a capacidade de querer dos que querem e têm a coragem de colocar em movimento os seus sentimentos mais sublimes, tornando-os fecundos.
Por isso ela nunca perdeu a estação das flores e das cores. Bia sempre parece atenta ao fato de que a primavera vem entre o inverno e o verão. Mesmo que no Brasil o descaso com a arte para crianças ainda balance os arbustos do direito às criações de qualidade para derrubar-lhes as pétalas mais belas, a obra de Bia Bedran permanece convidando a criança para um passeio na sua natureza interior e exterior.
O excelente repertório registrado no DVD "Cabeça de Vento" mostra bem o quanto temos de preciosidades nessas experiências que vivem perguntas e que vivem respostas, despertando perguntas e respostas em crianças e adultos. O vínculo da música com a contação de histórias é um estímulo a mais, resultante da sinergia desses dois recursos de linguagem existentes desde que o ser humano se deu por gente.
No DVD, Bia Bedran aproveita para mostrar alguns livros por onde as suas histórias e canções se mexem, olhando pelos cantos das páginas e espiando o leitor como quem não renuncia a transmissão de ensinamentos, mas não se apega a isso. Além da mensagem levada ao palco está a arte que diverte e o humor que aproxima pelo essencial. A artista entrega ao público a sua fantasia para em forma de palavra se vestir de som e, como som, mergulhar na palavra.
Tudo isso acontece no espetáculo que foi filmado. Como olhar não é o mesmo que ver, nem escutar é o mesmo que ouvir, essa "cabeça de vento" chamada Bia Bedran calibra com vivência incomum a sua proximidade com o público. Por ser uma pessoa cantando e contando para outra pessoa, todos se encontram no mesmo enredo, num envolvimento simbiótico de manifestação verbal, sonora e cênica.