Teve trovão e relâmpago antes da hora de começar o evento de inauguração da Casa de Teatro Dona Zefinha, na noite do sábado passado (30/04)
Quem, como eu e a minha família, chegava ao bairro do Jenipapo pelo calçamento da rua Francisco dos Santos Braga, via logo uma tabuleta que identificava na casa verde de número 321 a novidade cultural da cidade. Na parede da sala, uma galeria de cartazes de shows da banda, realizados no Ceará, no Brasil e em vários países do mundo. Tudo muito simpático, muito caprichado e consistente.
No segundo compartimento, uma luz amarela destacava na parece verde uma compilação de páginas de jornais, com matérias de cobertura dos feitos e efeitos do grupo, onde se lia em letras vazadas na tarja ao centro: "Dona Zefinha - 20 anos de teatro, música e outras invenções (1991 - 2011)". Logo ao lado, uma luminária de boneco gigante, um estandarte com a programação das atividades do mês e o início da exposição fotográfica com a trajetória da companhia resumida em dez espetáculos montados nessas duas décadas.
Um texto do ator e diretor teatral Fernando Piancó sintetiza o clique dos fotógrafos: "(...) No começo eram apresentações de teatro de rua, onde os folguedos eram a tônica dominante do grupo. Por desejo e necessidade do próprio trabalho, os componentes da Trupe Metamorfose começaram a pesquisar, estudar e experimentar instrumentos populares como a rabeca, a zabumba, o pandeiro, os pífanos, entre outros. Daí criaram a Dona Zefinha, que além de performance cênica no palco, produz uma bela fusão de sons e ritmos... com letras inteligentes, narrativas instigantes".
A Casa é uma casa típica do interior: sala de chegada, quarto da frente, sala de estar, corredor comprido, ladeando quartos, e cozinha. No primeiro quarto está sendo montado o estúdio de ensaios com revestimento acústico e, ao lado, fica o alpendre, que passou a fazer as vezes de auditório. A decoração de interior, feita pela Joélia Braga, traduz em leve e aconchegante relação estética e funcional o espírito da Casa. De uma lado do corredor, a sequência de imagens, do outro, arranjos de máscaras e lâmpadas. E no teto, uma estampada chita em cores vivas da cultura popular.
Além da sala de música (estúdio), pode-se ver porta a porta o ateliê de criação e restauro de figurinos e adereços, espaços de pesquisa, produção e um quarto com beliche e cama para o que eles chamam de hospedagem solidária. Esse cantinho para alojar visitantes, pesquisadores, parceiros e convidados para participar das atividades da Casa de Teatro Dona Zefinha é bem característico do estado de cumplicidade com que o grupo, liderado pelo multiartista Orlângelo Leal, pretende conduzir seu engenho de invenções musicais e cênicas.
Na área da cozinha, um projetor mostrava fotos e vídeos dos espetáculos da banda, sob a vigília da estatueta do Padre Cícero em cima da geladeira. Fiquei muito contente de ver artisticamente grafitada na parede final uma frase minha, retirada do encarte do CD "Zefinha vai à feira" (2007): "O que existe em certas coisas que mexem com a gente? Por que contemplamos algumas e por que viramos o rosto para outras? Somos as nossas interrogações". Parei para pensar novamente sobre isso, a partir do que estava sentindo naquele momento festivo.
O que a fixação da Dona Zefinha naquele espaço pode significar como testemunho da universalidade do trabalho do grupo? Quanto de recuperação do tecido social comunitário pode ser atribuído a um projeto como esse? Como essa decisão do grupo de plasmar a vida entre a beleza e as necessidades cotidianas será observada pelo povo de Itapipoca? Até onde os parâmetros sociais, ainda sob forte efeito da massificação, abrem espaço para o desenvolvimento da arte como expressão da subjetivação das pessoas e dos conceitos? Estará nesse tipo de projeto alguma perspectiva de caminho para a subjetividade como condição essencial ao viver autônomo, integrado e criativo?
A Casa da Dona Zefinha integra um sistema de referências de motivações, atividades e comportamento, que pode estar sendo fomentado pela viabilidade financeira proporcionada pelo Edital de Incentivo as Artes, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult). Com meios para o diálogo entre conhecimento e prática, com usos em forma de compartilhamento do pensar e do agir e com linguagens cênicas e musicais seu funcionamento certamente se converterá em uma sempre renovada produção de conteúdos e de aproximação dos elos culturais existentes à medida que cria uma zona de iluminação de gente com rosto, com valor e com direito à cultura.
Em sua disposição reconstrutiva da vida orgânica, a Dona Zefinha mostra seu jeito agregador de interferência no cotidiano estendendo seu equipamento de invenção cultural a parcerias com outros grupos e iniciativas. De saída, essa troca está acontecendo com a Orquestra Unisol, regida pelo trompetista e violinista Samuel Furtado, com a companhia de dança Balé Baião, com o Núcleo de Artes Cênicas (Nace) da Facedi/Uece e com a Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga (Agua).
Uma característica, que é ao mesmo tempo atributo e virtude na Dona Zefinha, é o fato de ela ser formada a partir de um grupo familiar coeso, talentoso e animado. O Orlângelo, o Ângelo Márcio e o Paulo Orlando são irmãos e a Joélia é casada com o Orlângelo. Mas a força afetuosa dessa característica envolve e compromete os pais, as mães, os tios e as tias deles, sem contar com os irmãos colaços, integrantes diretos e indiretos da trupe e da banda. É uma maravilha. Na montagem da Casa e para a festa de inauguração eles contaram com as habilidades e o empenho da Angelita, Gilberto, Luciano Cacau, Maninho, Mazé, Olga, Orlando Cacheado, Samuel, Tamily, Thais e Vanildo. Isso desde o serviço de carpintaria até a preparação dos comes e bebes.
A atração da noite de inauguração foi o "Jazzeira Trio", formado por Wagner Ferreira (baixo), Marcelino Ferreira (guitarra) e Rafael Teixeira (bateria), todos ex-alunos da escola de música de Guaramiranga. Eles foram os primeiros hóspedes da estalagem solidária da Casa de Teatro Dona Zefinha. E como é regra da Casa para quem for se hospedar por lá, na parte da manhã eles ofereceram à comunidade uma oficina de "improvisação e prática de conjunto", cujos participantes tiveram a oportunidade de fazer dobradinha com a Jazzeira em uma das músicas executadas à noite no alpendre.
O evento foi transmitido em tempo real pela internet. Francisco Constantino, monitor do Centro de Informática da Escola de Comunicação da Serra (Projeto Ecos), cuidou de colocar tudo no ar, mas também compartilhou, com os itapipoquenses que desejaram, um pouco do seu conhecimento de manipulação de softwares de áudio e vídeo e sobre montagem de equipamentos de transmissão.
Com suas atividades de ensaios e de produção comercial acessíveis à vida comunitária e com programações voltadas para a troca de ideias e leituras dramáticas, a Casa de Teatro da Dona Zefinha inverte a lógica das objetivações, que costumam tomar o outro como objeto. Que o digam as crianças que ficaram com a Gisa, mulher do Márcio, contando divertidas histórias no chão da sala.
Gostei muito do trabalho de vcs, parabéns !
ResponderExcluirEspero encontrar vcs de novo.
bx ;Luan(hidrolandia)