Momento empolgante, o que
passa a educação brasileira. Está claro para todo mundo que uma transformação,
ou pelo menos uma boa reforma, precisa ser feita. De que natureza, há
controvérsias, o que requer a difícil, porém indispensável, construção de
consensos. A gestão do ministro Aloizio Mercadante à frente do Ministério da
Educação e a sociedade brasileira estão com o complexo e sensível desafio de
promover uma reviravolta na nossa educação, de modo a definir um sentido de
país, produzir a massa crítica adequada para conferir merecimento à essa
definição e, assim, assegurar a importância do papel do Brasil na nova ordem
geopolítica internacional.
Tenho visto muitas
discussões sobre ajustes de metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação,
uso de tecnologia digital na rede pública, estabelecimento de metas, melhoria
nas condições de segurança do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ampliação
do tempo integral, formas de aperfeiçoamento do fluxo escolar, tentativas de
salvação de escolas com baixo desempenho e cobranças de aprendizado mínimo.
Seja o que for o debate, o que une esses e outros temas é a ruindade do nosso
padrão de ensino e o que fazer para reverter esse quadro secularmente perverso.
Outro ponto crítico dessa
questão está na entrada dos "tablets" e das lousas digitais na escola
antes de preparação de uma pedagogia ajustada ao uso das tecnologias digitais
na educação. Embora o Brasil seja um dos três maiores mercados de consumo de
computadores do mundo, aceitou que o mercado determinasse o tom da educação
digital. Se considerarmos, entretanto, esse atropelo da pedagogia pela
informática, como parte da criação das condições caóticas que estão
pressionando a reviravolta no nosso sistema educacional, talvez até tenha sido
positiva essa intromissão, considerando que a desconstrução é uma maneira de
instigar mudanças.
A intervenção das
corporações nos equipamentos educacionais, intensificada desde que o governo
federal separou o Ministério da Educação e da Cultura (MEC) em dois (1985),
chegou a um teto assintótico, com a distribuição de máquinas e equipamentos nas
escolas, sem dar a mínima para a preparação das educadoras e dos educadores. O
lado bom é que isso forçou a partida para uma discussão bem mais ampla:
"Para quê?". Fôssemos esperar um debate puxado pela voz intimidada
dos educadores, perderíamos o século. E não é bom nem pensar nessa
possibilidade.
Fala-se em universalização
do acesso à educação e em ensino público de qualidade. Para quê? Tem que ter um
"para quê?". Para abraçarem suas metas os gestores comprometidos
precisam de um "com o quê?". A rede pública deve fazer educação para
educar os brasileiros a serem agentes e beneficiários das riquezas do País. O
desafio é como enxergar o "para quê?", com o ambiente escolar
contaminado pelos produtos e serviços das mídias de massa e com um contingente
de mais de trinta milhões de brasileiros que na última década ingressaram na
zona de consumo e precisam de oportunidade para refletir sobre o que isso
significa.
O Brasil não pode correr o
risco de ter o seu destino traçado pelo domínio numérico da ignorância, em nome
da democracia. Por isso, mesmo antes da votação do Plano Nacional de Educação
(PNE) até 2020, que está no Congresso Nacional, sinto falta de um debate
estruturado sobre qual a educação que queremos. A título de ilustração, comento
cinco pontos que considero estratégicos nesse debate:
01 - Queremos uma educação
para qual país? Tem sentido continuarmos com uma educação que reforça o modelo
mental de colonizado que nos torna passivos no diálogo global? A educação para
um novo Brasil, precisa ser lastreada pelo respeito e pelo lugar de destaque
que, na última década, conquistamos na economia e na política mundial. O
projeto de país que deve estar manifesto nos nossos conteúdos educacionais é o
de uma sociedade aberta, mas que quer se preparar para o mundo pós-automóvel,
pós-crescimento; o mundo da sustentabilidade, da economia verde, da inovação do
bem, das energias limpas e renováveis, da atenção aos limites dos recursos
naturais, enfim, do que chamo de cidadania orgânica.
02 - O Ministério da
Educação está abrindo a discussão do que poderá ser um currículo brasileiro. A
montagem desse currículo nacional mínimo é uma ação que precisa do engajamento
de educadoras de todo o Brasil; pessoas que na ponta organizam a aprendizagem.
Os professores devem ser encarados como mestres do País, não interessa o porte
do município ou estado, nem o tamanho da escola em que trabalham. E por isso,
só teremos uma educação nacional de qualidade se valorizarmos a docência, em
termos de participação, oportunidade de renovação de conhecimento pessoal,
condições de trabalho favoráveis e remuneração à altura da missão.
03 - Está em tramitação no
Congresso Nacional o projeto de lei 518/09, de autoria do senador Cristovam
Buarque, propondo que o MEC fique somente com a educação de base e que o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação incorpore a Educação Superior e o
ensino técnico. A proposição do professor Cristovam é muito boa e oportuna;
contudo, como o momento é de debate, tomo a liberdade de pensar em algo que a
mim me parece mais ajustado, que seria a mudança do MEC para Ministério da
Educação de Base e Cultura, o que fortaleceria o conceito de projeto de país.
Os assuntos da economia da cultura, na minha opinião caberiam muito bem parte
no Ministério do Turismo e parte no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
04 - Um grande projeto
brasileiro de educação não deve ficar preso a discussões do tipo "o
investimento por aluno é caro ou barato". O sistema educacional precisa
ser antes de tudo eficiente na formação do ser social e na educação das pessoas
para algo; e este algo deve estar contido no conjunto dos nossos objetivos
individuais e coletivos. E a resposta ao "para quê?" serve para
fechar a conta. O ministro tem falado que o algo mais virá dos royalties do
Pré-sal; mas esses dividendos, que são de todos os brasileiros, ainda vão
demorar um pouco para chegar. Como temos urgência, dou uma sugestão: que tal
taxar as grandes fortunas, com a finalidade específica de viabilizar as
mudanças necessárias à educação?
05 - Em que pese a autonomia
de municípios e estados na formulação e implementação de suas políticas, na
educação é indispensável a existência de um plano estrutural de âmbito
nacional, que defina e garanta a execução da política educacional do País. Não
tem mais cabimento manter a falsa municipalização, decorrente da estratégia
neoliberal de enxugamento do Estado e de incentivo à privatização, que deixou
as verbas públicas à mercê dos desvios dos administradores corruptos. A
educação nos municípios só tem sentido com a efetiva participação da comunidade
e atendendo as peculiaridades regionais. Tramita também no Congresso Nacional
um projeto de lei (PL 7420/06), voltado para o estabelecimento de regras na aplicação
dos recursos públicos no ensino.
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