Fui com a minha
família à Dinamarca com a intenção de celebrar a infância dos nossos filhos, o
Lucas com 13 anos e o Artur com 11. Queríamos vivenciar com eles um lugar com
reconhecida experiência de civilidade e que essa experiência tivesse base no
lúdico, como essência do humano. Assim, fizemos de carro alugado um corte
horizontal de leste a oeste no mapa dinamarquês, cruzando cenários
maravilhosos, numa viagem que durou do dia 30 de julho ao dia seis deste mês de
agosto, nas três principais regiões do país: as ilhas de Sjaelland e Fyn e a
península de Jutlândia.
Embora tenhamos
feito paradas rápidas em lugares como Roskilde, para conhecer a cidade do rock,
ver o museu de barcos vikings (Vikingskibhallen), com embarcações dos séculos X
e XI, e visitar a catedral gótica de tijolinhos vermelhos, onde estão
enterrados os reis e as rainhas da Dinamarca desde a Idade Média, nos
concentramos na capital Copenhagen (Sjaelland), em Odense (Fyn), a cidade natal
do escritor Hans Christian Andersen (1805 - 1875), e em Billund (Jutlândia),
onde nasceu a indústria da Lego e onde está localizada a sua fábrica sede, o
hotel e o parque Legoland.
Copenhagen é uma
cidade na qual dá gosto pedalar. As ciclovias têm paralelepípedo duplo, com
separação da calçada de pedestres e da via de automóveis. Circulamos de
bicicleta por quase toda a cidade, desde a estátua da Pequena Sereia, em um
canal de mar (Langelinje) até o bairro Nørrebro, onde fica o cemitério em que
está sepultado o corpo de Andersen, passando por Nyhaun, antigo porto
transformado em área de turismo, com restaurantes e saídas para passeios de
barco, onde Andersen morou durante vários períodos de sua vida, inclusive
quando se mudou para a capital com 14 anos.
É uma cidade
muito bonita, agradável, movimentada, com uma arquitetura espetacular, na qual
se destacam prédios como o "diamento negro" da Biblioteca Real
(Kongelige Bibliotek) e a Casa da Ópera (Operaen). O respeito às áreas públicas
é uma marca que se soma ao seu caráter de importante centro urbano, com pouco mais
de meio milhão de habitantes (próximo de dois milhões na região metropolitana).
Nela, é comum a presença de lojas da Lego e de espaços com a figura e a obra de
Andersen. Bem em frente ao Tivoli, um dos parques temáticos mais antigos do
mundo, há uma grande estátua do escritor. Encontramos crianças brincando com
lego até na visita que fizemos à reserva Christiania, uma antiga área militar
de 30 hectares, ocupada pelos hippies em 1971, que tem autonomia econômica,
regras próprias.
Na estrada de
Copenhagen para Odense passamos por duas pontes, uma delas (Storebæltsbroen)
com 18 quilômetros de extensão, com torres de energia eólica construídas dentro
do mar. Odense é a terceira maior cidade da Dinamarca. Seu nome é uma homenagem
a Odin, um dos principais deuses da mitologia nórdica, o pai do poderoso Thor.
O dia estava chuvoso e chegamos a cidade contemplados por um belo arco-íris,
como se entrássemos no temperamento poético de um conto de Andersen. Adoramos a
cidade, sobretudo a Casa de Andersen (H. C. Andersens Hus), o museu, o lago e a
grama que a circunda, onde assistimos um teatro de histórias do célebre autor.
Andersen
conseguiu com sua ampla e consistente obra entrar para a galeria dos escritores
mais importantes de todos os tempos. Autor de 156 contos que se tornaram
clássicos por encantar crianças e adultos e que foram traduzidos em 160 idiomas
diferentes, dentre eles, A Pequena Sereia, O Soldadinho de Chumbo, O Patinho
Feio, O Pequeno Polegar, O Rouxinol do Imperador. Vimos em sua casa-museu, que
ele escreveu 14 novelas, uma 50 obras dramáticas, cerca de mil poemas, além de
biografias (inclusive a autobiografia O conto da minha vida), artigos e
pequenas peças humorísticas.
O museu de
Andersen foi inaugurado em 1908, na casa em que o escritor nasceu. Em mais de
um século passou por muitas ampliações e hoje é um lugar com espaço de
referência cultural e turística da Dinamarca. Andersen viveu sua infância
naquela casa em uma época em que o rei era a lei, quando a maioria dos
dinamarqueses era pobre e analfabeta, numa Europa sofrida pelos efeitos das
guerras. Ele enfrentou tudo isso produzindo uma literatura de desconstrução do
materialismo, com humor poético e caricatural, em favor dos mais humildes, dos
mais humilhados e mais injustiçados.
Como pessoa,
pode-se dizer que ele foi o próprio patinho feio, aquele personagem que um dia
descobriu ser um lindo cisne, depois de amargar o preconceito resultante da
circunstância de ter sido chocado por uma pata. Andersen era grandão (tinha
1,85m), nariz enorme, olhos fundos e papudos, totalmente fora dos ideais de
beleza tradicionais. Mas com o êxito internacional da sua obra, foi convidado
para almoçar com o rei da Dinamarca, com a rainha da Inglaterra e a ser
paparicado pela nobreza européia, passando a ser visto de perto, com seu
verdadeiro rosto, cheio de vida, de olhar sem malícia, e com sua figura altiva
e elegante.
De Odense, na
ilha de Fyn, tocamos o carro para a península de Jutlândia, onde fica Billund,
a cidade onde foi fundada e onde está a sede da Lego, a mais admirável
indústria de brinquedos do mundo. A Lego é uma empresa símbolo do respeito à
criança, da inovação e da capacidade de se reinventar. No jogo da competição
tem feito alianças com outras organizações e marcas respeitáveis, como a Toyota
(em atividades no parque), a Nitendo (no desenvolvimento de robôs) e com o
diretor George Lucas, na transformação em brinquedo dos temas e personagens da
série Star Wars.
Os brinquedos da
Lego inspiram as crianças, tornando-se universais por falar a linguagem da
infância, que é o brincar e a brincadeira. Mesmo utilizando antigos bloquinhos
de construção não são brinquedos do passado; mas brinquedos para a criança que
vem de longe em cada um de nós e que tem no passado um valor a agregar ao
presente. Essa filosofia é visível também no arborizado parque Legoland, onde
tudo é integrado e espaçoso, com o funcionamento das cidades em miniatura, das
ofertas de diversão e suas montanhas-russas. No meio de tudo, uma estátua de
Andersen com um livro e uma criança, em um banco de praça, onde sentamos para
fazer fotos.
A hospedagem no
hotel Legoland deixa a meninada enlouquecida. As instalações são temáticas e há
uma ponte de acesso direto ao parque. O hotel é todo pensado para a infância,
com áreas de jogos, panelões cheios de peças de lego para montagem a qualquer
hora, zonas de videogames de lego e decoração com temas dos brinquedos. Tudo
bem harmonizado com obras de arte. É impressionante o cuidado com os detalhes.
No restaurante, os alimentos estão ao alcance das crianças em mesas baixinhas
facilmente acessíveis.
Essa história
toda começou em 1916, quando Ole Kirk Kristiansen, o fundador da Lego, comprou
uma oficina de construção de casas e móveis de madeira e colocou na parede a
seguinte frase: "Só o melhor é suficiente". Queria que os
funcionários não esquecessem nunca a importância da qualidade no que faziam. E
ainda hoje esta é a mensagem motivadora da Lego. Digo isso porque temos em casa
vários brinquedos com muitas e variadas peças e nunca tivemos que reclamar porque
faltou um só bloquinho para a montagem do que está prometido na embalagem.
A Lego é uma
empresa familiar que já está na terceira geração. Por conta da grande depressão
européia no início do século passado, em 1932 o fundador decidiu deixar de
fazer casas e móveis e passou a orientar a carpintaria para a produção de
brinquedos de madeira: ioiô, carrinhos, tratores, trens, aves e animais, blocos
de madeira com números e letras e, inclusive, um boneco de madeira de H. C.
Andersen, montado em um animal com rodinhas. Dois anos depois criou a marca
Lego, a partir da expressão "LEg GOdt", que significa "brinque
bem".
A segunda
geração assumiu em 1954, quando a fábrica já produzia os bloquinhos de encaixe
com injeção de plástico. O filho de Ole, Godtfred, organizou a filosofia da
empresa em dez princípios, algo como: 1) brincar com ilimitadas possibilidades;
2) para meninas e meninos; 3) entusiasmar todas as idades; 4) para brincar o
ano todo; 5) saudável e sem fazer barulho; 6) brincadeira que não se esgota; 7)
imaginação, criatividade e desenvolvimento; 8) cada novo produto deve
multiplicar o valor da brincadeira; 9) brinquedos contextualizados; 10)
segurança e qualidade. A partir de 1979, Kjeld, neto do fundador, assume a
presidência e a Lego passa a desenvolver brinquedos com linhas para faixas
etárias específicas.
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