O anúncio do pacote de investimentos de R$ 118 milhões na economia da
cultura no Ceará, feito pelo governador Cid Gomes por ocasião da
inauguração do Teatro Carlos Câmara, no dia 5 passado, foi um momento
luminoso e inquietante para quem acredita que o potencial de realização
de uma gente passa necessariamente pela força transformadora da sua
vivência cultural. Foi também um sinal positivo de que a estratégia de
desenvolvimento do estado contempla a criação de uma base de pensamento
criativo e disruptivo, fundamental para a elevação do nosso poder
comparativo e competitivo no médio e no longo prazos.
A fábrica clássica, que trata as pessoas como recursos de produção, e o capitalismo laissez-faire, que levou o planeta à exaustão de recursos naturais não renováveis, não são mais necessariamente sinônimos de progresso. O conceito de mercado e de mercadoria está mudando e o intangível, o renovável, o conteúdo artístico e cultural assumem o posto de matéria-prima mais cobiçada da economia pós-crescimento. Neste cenário em fase de configuração, os valores determinantes para o financiamento do setor cultural vão além dos interesses corporativos e da corrida dos governos pela fermentação da riqueza concentradora.
Dentro de um pensar grande e de uma olhada para o alto e para longe - e acredito que o governador Cid e o secretário da cultura, Professor Pinheiro, estão pensando e olhando assim - impõe-se uma nova ordem à nossa dinâmica de desenvolvimento, com perspectiva para o intercâmbio discursivo e prático entre economia e cultura. Abre-se um espaço para a esperança de uma política cultural com governança democrática, o que sugere o aproveitamento do melhor da evolução tecnológica para trabalhar a cultura como um diferencial local no jogo global multipolar. E isso requer que nos conheçamos, nos curtamos e nos respeitemos em uma nova lógica política, que passa por quatro dimensões culturais complementares e interligadas, que estou chamando de Cultura em 4D:
1) A primeira dimensão é: "Cultura para o lugar onde a vida acontece" (bairro, cidade etc). Nesta dimensão, o poder público prioriza a população, e não os produtores culturais, com programas preferencialmente realizados em parcerias dos órgãos de cultura com a EDUCAÇÃO, envolvendo as crianças e as famílias, promovendo o desenvolvimento de habilidades relativas às formas de manifestações culturais, a economia interna e o que de melhor existir nas artes e na literatura, para o refinamento técnico e estético.
2) A segunda dimensão é: "Cultura para quem faz cultura". Nesta dimensão, cabe ao poder público estabelecer parcerias com agências de apoio ao EMPREENDEDORISMO, que facilitam, dentre outros, o acesso a instrumentos, o incentivo à criação e à produção local, a capacitação para o entendimento de como elaborar e viabilizar um projeto, informações comentadas sobre editais públicos e privados, estímulo a criações individuais e coletivas e orientações de financiamentos formais e colaborativos (crowdfunding).
3) A terceira dimensão é: "Cultura de trocas". Nesta dimensão, a tarefa do poder público é somar força com as instituições da SOCIEDADE voltadas para a difusão cultural, de modo a contribuir para o apuro do nosso posicionamento com relação às tendências contemporâneas móveis e estacionárias, físicas e virtuais, por meio de aproximações, exercícios de improvisações, conversas com quem abriu trilhas exitosas, enfim, fazendo conexões entre bairros, cidades, estados e países, ampliando formas de sentir e de expressar o mundo.
4) A quinta dimensão é: "Cultura para quem chegar". Nesta dimensão, o parceiro natural da cultura é o TURISMO. Trata-se de ofertar respostas da nossa criatividade, imaginação e habilidade fazedora a quem escolhe o Ceará como destino de viagem. O jeito de acolher, de ser, de fazer negócios e de contar do que somos, em expressões de design, da culinária, das artes, da literatura, da moda, do artesanato, da arquitetura e da comunicação, soma-se às atrações naturais de litoral, serra e sertão, para abraçar essa atividade econômica, que, como mercado trans-setorial, apresenta os mais altos índices de crescimento no mundo.
Para ser eficaz, a socioeconomia da Cultura em 4D necessita de uma nova ordem organizacional, capaz de superar as restrições impostas pelo velho modelo concentrador aos vasos comunicantes responsáveis pela saúde do corpo social. Somente o poder público, exercendo o seu papel de regulador dos diversos interesses da coletividade, tem condições objetivas de abrir cenários radicalmente distintos para a construção de uma rede de contatos, de trabalho e de comercialização de bens e serviços culturais, livre de atravessadores indesejáveis. Refiro-me aos indesejáveis, porque é importante que existam os desejáveis empresários da cultura, aqueles que são capazes de desenvolver bons conceitos de negócios e de se estabelecerem por mérito.
Com a inclusão da cultura no circuito superior da criação de valor e diferenciação com impacto social e econômico, o Ceará pode estar inaugurando uma nova fase de pensamento estratégico. Está, portanto, mais do que na hora da criação de um ambiente virtual para realizações concretas; um espaço de nuvem onde tudo possa estar visivelmente interligado, facilitando o movimento de criação, confecção e comercialização dos nossos produtos e serviços culturais. Um lugar onde a cearensidade pudesse se pronunciar de forma viva e atemporal; um instrumento que poderia ser desenvolvido com uma metodologia de fácil navegação e de fácil abastecimento de informações.
Ao poder público cabe a obrigação de gestão integrada do nosso manancial de conteúdos. Isso poderia ser muito bem efetuado com a criação do que se poderia chamar de Portal de Oportunidades Culturais; uma plataforma de dinamização do tipo "wiki", capaz de quebrar barreiras e superar lacunas históricas, horizontalizando ofertas e demandas, onde todos pudessem postar referências de seus trabalhos, contatos e opções de uso liberado e venda. Dá para fazer isso com uma estrutura enxuta, ágil, com auxiliares técnicos que facilitassem a alimentação dos espaços e um comitê de moderadores para conferir se está tudo certo e para evitar qualquer hipótese de uso indevido da ferramenta.
Com esse portal, parte dos editais poderia ser direcionada à produção de conteúdos para a sua própria alimentação: produção de imagens de qualidade, textos, digitalizações de acervos, pagamento de Direitos Autorais, produção de documentários e entrevistas com quem produz cultura no Ceará e obras de domínio público. Tudo com proposições de sentido para facilitar a postagem e a localização, com palavras-chave e buscadores por temas, nomes, categorias, enfim, todo tipo imaginável de passagem. Mais do que dar impulso à economia, assegurar a justiça cultural é um dos caminhos possíveis para nos tornarmos uma sociedade com melhores índices de bem-estar e qualidade de vida.
Investir na socioeconomia da sensibilidade e da inteligência individual e coletiva, aproveitando os benefícios da evolução tecnológica digital, pede um modelo duplo de gestão oficial da cultura: a) a regulação do fluxo em rede das oportunidades, deixando o êxito comercial com a competência de cada um e dos coletivos; e b) o investimento direto na sistematização, definição e disseminação do patrimônio comum, assumindo a responsabilidade de pensar o todo e pela definição de um conceito de lugar. A cultura ajuda a olhar, a se ver e a ver os outros, por isso, o acesso livre a bens culturais é um direito e uma necessidade social, proporcionador de ganhos imensuráveis para a vida, com significativos efeitos econômicos.
www.flaviopaiva.com.br
A fábrica clássica, que trata as pessoas como recursos de produção, e o capitalismo laissez-faire, que levou o planeta à exaustão de recursos naturais não renováveis, não são mais necessariamente sinônimos de progresso. O conceito de mercado e de mercadoria está mudando e o intangível, o renovável, o conteúdo artístico e cultural assumem o posto de matéria-prima mais cobiçada da economia pós-crescimento. Neste cenário em fase de configuração, os valores determinantes para o financiamento do setor cultural vão além dos interesses corporativos e da corrida dos governos pela fermentação da riqueza concentradora.
Dentro de um pensar grande e de uma olhada para o alto e para longe - e acredito que o governador Cid e o secretário da cultura, Professor Pinheiro, estão pensando e olhando assim - impõe-se uma nova ordem à nossa dinâmica de desenvolvimento, com perspectiva para o intercâmbio discursivo e prático entre economia e cultura. Abre-se um espaço para a esperança de uma política cultural com governança democrática, o que sugere o aproveitamento do melhor da evolução tecnológica para trabalhar a cultura como um diferencial local no jogo global multipolar. E isso requer que nos conheçamos, nos curtamos e nos respeitemos em uma nova lógica política, que passa por quatro dimensões culturais complementares e interligadas, que estou chamando de Cultura em 4D:
1) A primeira dimensão é: "Cultura para o lugar onde a vida acontece" (bairro, cidade etc). Nesta dimensão, o poder público prioriza a população, e não os produtores culturais, com programas preferencialmente realizados em parcerias dos órgãos de cultura com a EDUCAÇÃO, envolvendo as crianças e as famílias, promovendo o desenvolvimento de habilidades relativas às formas de manifestações culturais, a economia interna e o que de melhor existir nas artes e na literatura, para o refinamento técnico e estético.
2) A segunda dimensão é: "Cultura para quem faz cultura". Nesta dimensão, cabe ao poder público estabelecer parcerias com agências de apoio ao EMPREENDEDORISMO, que facilitam, dentre outros, o acesso a instrumentos, o incentivo à criação e à produção local, a capacitação para o entendimento de como elaborar e viabilizar um projeto, informações comentadas sobre editais públicos e privados, estímulo a criações individuais e coletivas e orientações de financiamentos formais e colaborativos (crowdfunding).
3) A terceira dimensão é: "Cultura de trocas". Nesta dimensão, a tarefa do poder público é somar força com as instituições da SOCIEDADE voltadas para a difusão cultural, de modo a contribuir para o apuro do nosso posicionamento com relação às tendências contemporâneas móveis e estacionárias, físicas e virtuais, por meio de aproximações, exercícios de improvisações, conversas com quem abriu trilhas exitosas, enfim, fazendo conexões entre bairros, cidades, estados e países, ampliando formas de sentir e de expressar o mundo.
4) A quinta dimensão é: "Cultura para quem chegar". Nesta dimensão, o parceiro natural da cultura é o TURISMO. Trata-se de ofertar respostas da nossa criatividade, imaginação e habilidade fazedora a quem escolhe o Ceará como destino de viagem. O jeito de acolher, de ser, de fazer negócios e de contar do que somos, em expressões de design, da culinária, das artes, da literatura, da moda, do artesanato, da arquitetura e da comunicação, soma-se às atrações naturais de litoral, serra e sertão, para abraçar essa atividade econômica, que, como mercado trans-setorial, apresenta os mais altos índices de crescimento no mundo.
Para ser eficaz, a socioeconomia da Cultura em 4D necessita de uma nova ordem organizacional, capaz de superar as restrições impostas pelo velho modelo concentrador aos vasos comunicantes responsáveis pela saúde do corpo social. Somente o poder público, exercendo o seu papel de regulador dos diversos interesses da coletividade, tem condições objetivas de abrir cenários radicalmente distintos para a construção de uma rede de contatos, de trabalho e de comercialização de bens e serviços culturais, livre de atravessadores indesejáveis. Refiro-me aos indesejáveis, porque é importante que existam os desejáveis empresários da cultura, aqueles que são capazes de desenvolver bons conceitos de negócios e de se estabelecerem por mérito.
Com a inclusão da cultura no circuito superior da criação de valor e diferenciação com impacto social e econômico, o Ceará pode estar inaugurando uma nova fase de pensamento estratégico. Está, portanto, mais do que na hora da criação de um ambiente virtual para realizações concretas; um espaço de nuvem onde tudo possa estar visivelmente interligado, facilitando o movimento de criação, confecção e comercialização dos nossos produtos e serviços culturais. Um lugar onde a cearensidade pudesse se pronunciar de forma viva e atemporal; um instrumento que poderia ser desenvolvido com uma metodologia de fácil navegação e de fácil abastecimento de informações.
Ao poder público cabe a obrigação de gestão integrada do nosso manancial de conteúdos. Isso poderia ser muito bem efetuado com a criação do que se poderia chamar de Portal de Oportunidades Culturais; uma plataforma de dinamização do tipo "wiki", capaz de quebrar barreiras e superar lacunas históricas, horizontalizando ofertas e demandas, onde todos pudessem postar referências de seus trabalhos, contatos e opções de uso liberado e venda. Dá para fazer isso com uma estrutura enxuta, ágil, com auxiliares técnicos que facilitassem a alimentação dos espaços e um comitê de moderadores para conferir se está tudo certo e para evitar qualquer hipótese de uso indevido da ferramenta.
Com esse portal, parte dos editais poderia ser direcionada à produção de conteúdos para a sua própria alimentação: produção de imagens de qualidade, textos, digitalizações de acervos, pagamento de Direitos Autorais, produção de documentários e entrevistas com quem produz cultura no Ceará e obras de domínio público. Tudo com proposições de sentido para facilitar a postagem e a localização, com palavras-chave e buscadores por temas, nomes, categorias, enfim, todo tipo imaginável de passagem. Mais do que dar impulso à economia, assegurar a justiça cultural é um dos caminhos possíveis para nos tornarmos uma sociedade com melhores índices de bem-estar e qualidade de vida.
Investir na socioeconomia da sensibilidade e da inteligência individual e coletiva, aproveitando os benefícios da evolução tecnológica digital, pede um modelo duplo de gestão oficial da cultura: a) a regulação do fluxo em rede das oportunidades, deixando o êxito comercial com a competência de cada um e dos coletivos; e b) o investimento direto na sistematização, definição e disseminação do patrimônio comum, assumindo a responsabilidade de pensar o todo e pela definição de um conceito de lugar. A cultura ajuda a olhar, a se ver e a ver os outros, por isso, o acesso livre a bens culturais é um direito e uma necessidade social, proporcionador de ganhos imensuráveis para a vida, com significativos efeitos econômicos.
www.flaviopaiva.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário