Lula deu certo e tornou-se um sucesso de reconhecimento mundial. E esse sucesso também atende pelo nome de Marisa (...) Hildegard Angel chama a atenção para o que existe de verdadeiro como ato afirmativo no comportamento da ex-primeira-dama.
A quem é realmente comprometido com algo grande, não interessa a negação dos que recorrem à pequenez como oposição à força movedora que subsiste na cumplicidade dos corações. Essa característica, mais facilmente identificada no poder feminino, foi simbolizada nos últimos oito anos, pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, em uma espécie de ruptura da ruptura do novo perfil da mulher na contemporaneidade. Pouco atentamos para isso, mas ela teve a paciência e a coragem de exercitar seu papel fora dos rótulos arbitrados pelo modelo mental de colonizado ainda predominante na cultura brasileira.
Dei-me conta das lições silenciosas legadas por Dona Marisa depois de receber vários e-mails com um artigo da colunista social carioca Hildegard Angel, publicado em seu blog no dia 4 de janeiro passado, às 18:40, com o título "Marisa Letícia Lula da Silva: palavras que precisavam ser ditas".
O texto de Hildegard é instigante e envolvente porque diz o que muita gente sente e não consegue perceber por ignorância, preconceito ou contaminação ideológica. Seu olhar vai além da pessoa da ex-primeira-dama para alcançar os valores que ela conseguiu preservar na vida pública com tanta simplicidade.
Pensando bem, o comportamento invejoso de grande parte da elite chique e afetada brasileira com relação ao presidente Lula merece muitos e aprofundados estudos. Mesmo com a aprovação pessoal do presidente chegando ao percentual de 87% (DN, 30/12/2010) no final do segundo mandato, essa minoria privilegiada não poupou veneno em intensos bombardeios de desdém para corroer sua imagem, como se dissesse despeitada: "Que vá e não volte mais esse pobretão que teve a ousadia de dar certo". Esse é o problema, Lula deu certo e, para completar, tornou-se um sucesso de reconhecimento mundial. E esse sucesso também atende pelo nome de Marisa.
As palavras de Hildegard Angel merecem leitura atenta, por nos devolverem uma oportunidade renovadora de apreciar o que temos sido, enquanto brasileiros. Tomando sua feliz reflexão como de grande importância, selecionei cinco pontos em que ela sintetiza as formas maliciosas do tratamento dado à ex-primeira-dama e outros cinco aspectos nos quais a autora se refere aos méritos e bons exemplos de Marisa Letícia.
O bom êxito do seu artigo, considerando a expressiva replicação em outros blogs e redes de relacionamentos virtuais, pode estar associado a um desconforto interior não manifesto, provavelmente causado por constantes e crescentes trocas de valores culturais e sociais autênticos pelo mundo das aparências. Dos sinais de constrangimento à ex-primeira-dama, abordados por Hildegard, destaco:
1) "Foram oito anos de bombardeio intenso, tiroteio de deboches, ofensas de todo jeito, ridicularia, referências mordazes, críticas cruéis, calúnias até (...) E as hostilidades públicas? E as desfeitas? E a maneira desrespeitosa com que foi constantemente tratada, sem a menor cerimônia, por grande parte da mídia? Arremedando-a, desfeiteando-a, diminuindo-a?"
2) "E as frequentes provas de desconfiança, daqui e dali? E - pior de tudo - os boatos infundados e maldosos, com o fim exclusivo e único de desagregar o casal, a família? (...) Marisa Letícia Lula da Silva precisou ter coragem e estômago para suportar esses oito anos de maledicências e ataques. E ela teve".
3) "Começaram criticando-a por estar sempre ao lado do marido nas solenidades (...) Implicaram com o silêncio dela, a "mudez", a maneira quieta de ser. Na verdade, uma prova mais do que evidente de sua sabedoria. Falar o quê, quando, todos sabem, primeira-dama não é cargo, não é emprego, não é profissão?"
4) "Queriam era ver dona Marisa Letícia se atrapalhar com as palavras para, mais uma vez, com aquela crueldade venenosa que lhes é peculiar, compará-la à antecessora, Ruth Cardoso (...) Cobraram de Marisa Letícia um ´trabalho social nacional´, um projeto amplo nos moldes do Comunidade Solidária (...) Pura malícia de quem queria vê-la cair na armadilha e se enrascar numa das mais difíceis, delicadas e técnicas esferas de atuação: a área social".
5) "Foi um apedrejamento sem trégua, quando Marisa Letícia, ao lado do marido presidente, decidiu abrir a Granja do Torto para as festas juninas. (...) Fizeram chacota por Lula colar bandeirinhas com dona Marisa, como se a cumplicidade do casal lhes causasse desconforto".
Lula e Marisa representam para muitos os incapazes. Esse presságio rondou a cabeça do casal na primeira noite em que dormiu na residência presidencial. Numa transmissão ao vivo do Marco Zero de Recife, feita dia 28/12/2010 pela NBR, o presidente contou que foi ao lado de Marisa que ele percebeu que não poderia falhar. Deitados na cama em que se deitaram tantos presidentes, a conversa deles terminou com o compromisso de honrar não apenas a si, mas o que a figura de Lula simboliza para as pessoas comuns, as desacreditadas e excluídas do direito de liderar e tomar grandes decisões.
Em seu texto, Hildegard Angel chama a atenção para o que existe de verdadeiro como ato afirmativo no comportamento de Dona Marisa, em meio à retórica saturada da onde de tantos padrões pseudo-revolucionários. A mulher de Lula (por que não?) fez o que deu para fazer, respeitando seu universo cultural, social e político, sem cair nas armadilhas do pedantismo. É o caráter transformador dessa experiência interna e externa que Hildegard realça como posição exemplar da ex-primeira-dama diante da realidade. Senão vejamos:
1) "Não são tantas as mulheres no Brasil que conseguem manter em harmonia uma família discreta e reservada, como Marisa Letícia (...) E não são também em grande número aquelas que contam, durante e depois de tantos anos de casamento, com o respeito implícito e explícito do marido".
2) "Marisa Letícia dedicou-se ao que ela sempre melhor soube fazer: ser esteio do marido, ser seu regaço, seu sossego. Escutá-lo e, se necessário, opinar. Transmitir-lhe confiança e firmeza (...) Foi quem saiu às ruas em passeata, mobilizando centenas de mulheres, quando os maridos delas, sindicalistas, estavam na prisão. Foi quem costurou a primeira bandeira do PT. E, corajosa, arriscou a pele, franqueando sua casa às reuniões dos metalúrgicos, quando a ditadura proibiu os sindicatos. Foi companheira, foi amiga e leal ao marido o tempo todo".
3) "O mérito mais relevante de nossa ex-primeira-dama: a brasilidade (...) Obras de costureiros nossos, nomes brasileiros, sem os abstracionismos fashion de quem gosta de copiar a moda estrangeira. Eram os coletes de crochê, os bordados artesanais, as rendas nossas de cada dia".
4) "De família de agricultores italianos imigrantes (...) Marisa até os cinco de idade viveu num sítio com os dez irmãos (...) na periferia de São Bernardo do Campo (...) Foram tão imigrantes quanto os Matarazzo e outros tantos, que ajudaram a construir o Brasil".
5) "Foi amável e cordial com todos que dela se aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita por ela a alguém, como primeira-dama do País".
O marido de Dona Marisa (por que não?) comprovou que liderança política não tem classe. A presidenta Dilma Rousseff está com a responsabilidade de demonstrar que essa também não é uma questão de gênero. Os modos de Dona Marisa são uma prova de que para ter importância nos processos de transformação não é preciso abdicar de si, querer ser o outro ou se deixar tragar pela pressão sistemática dos incomodados.
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