O bioma caatinga e seus admiradores ganharam um presente muito especial
nesta Semana do Meio Ambiente. Em angulações que apontam especialmente
para a beleza e para a riqueza de um lugar historicamente marcado pelos
estereótipos da estiagem, o "Guia de plantas visitadas por abelhas na
caatinga" (Fundação Brasil Cidadão, 2012), editado com apoio da
Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), da Universidade de São
Paulo (USP) e Petrobrás, reúne em suas páginas um importante conteúdo
visual e científico.
A graciosidade das plantas, flores e
abelhas, capturadas em fotografias e estudos de coevolução, desabrocha
em espetaculares encantos que sacralizam a vida e enchem os olhos de
quem ama a natureza. Muitas dessas preciosidades brilham no anonimato da
mata branca porque, como elementos da biodiversidade de uma região
histórica e politicamente atrelada ao subdesenvolvimento, nunca estão
nas prioridades de catalogação, de referência estética e de
aproveitamento dos seus princípios ativos.
Felizmente isso está
mudando, lentamente e a duras penas, mas está mudando. Este guia, com
seus textos e fotos sobre árvores, arbustos, subarbustos, trepadeiras e
herbáceas, realçados em formas, tamanhos, cores e época de florescimento
das flores observadas, é uma prova da existência de novos olhares
valorizando a caatinga. As biólogas Camila Maia-Silva, Cláudia Inês da
Silva, Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca e os biólogos Michael Hrncir e
Rubens Teixeira de Queiroz, autores do livro, colheram toda essa
maravilha em trabalhos de campo realizados no Ceará e no Rio Grande do
Norte, com financiamento da Capes e do CNPq.
Em atraente projeto
gráfico de Mauri de Sousa, o livro mostra o galanteio das flores e dos
insetos que as polinizam, em consagração à luz e à delicadeza da força
botânica no fantástico campo vital do planeta. Mas a jandaíra, a jati, a
irapuã e as abelhas que forçaram um processo de mestiçagem como a
italiana e a africana, não estão ali somente para cumprir essa tarefa e
fazer o mel (fonte de geração de renda de muitas famílias), elas fazem
parte da paz silenciosa dos prazeres universais. E as flores não se
embelezam apenas para tornar a natureza mais bonita, mas para serem
amadas pelas abelhas, loucas pelo néctar açucarado do qual se alimentam.
As
flores são os aparelhos reprodutores das plantas (angiospermas) e se
exibem nas mais variadas cores e formas: são triangulares, na
carnaubeira; vulvárias, no pau d´árco, jucazeiro, jequitirana,
catingueira e palma-do-campo; agarradinhas, na umburana, no juazeiro e
no pega-pinto; clitórides, no faveleiro, matapasto, jurubeba, na melosa e
no fedegoso; cone-vaginais, na sete-patacas, salsa e jetirana;
pubianas, no pacoté (algodão brabo) e na vassourinha-de-botão;
pirotécnicas, no feijão-brabo, na malícia e no angico; estrelinhas, no
umbuzeiro, e evolução estelar, no marmeleiro; só para citar algumas.
À
medida que nos damos a oportunidade de apreciar e de sentir a grandeza
de vidas assim, tão livres e integrais, tão belas e produtivas, bem que
poderíamos reduzir as ambições que nos levam a desprezar a natureza e
para as quais muitas vezes empenhamos os melhores momentos de nosso
ciclo de existência. Publicações como o "Guia de plantas visitadas por
abelhas na caatinga" podem funcionar como espelhos purificadores do
nosso olhar e como fontes de negação da opacidade que impede o
desenvolvimento da necessária e urgente formação da nossa ecoconsciência
planetária.
A apreciação desse guia foi para mim para mim uma
experiência gratificante. Ele fala especificamente do mundo onde eu
nasci. Observei cada árvore, cada flor e cada abelha com o respeito e a
reverência de quem folheia detalhadamente álbuns de amigos de infância.
Os botões florais da meninice, as influorescências das brincadeiras e as
pétalas vivas e variadas que nos aproximam, surgiram página a página,
enquanto eu ia dando sons às fotos e sentindo cores, cheiros e sabores
de tudo isso que, incrivelmente, permanece tão forte em mim.
Meses
atrás tive sensação semelhante ao ler o livro "Flores da Caatinga"
(Instituto Nacional do Semiárido, Campina Grande, 2010), dos botânicos
Antônio Sérgio Castro e Arnóbio Cavalcante, editado com o apoio do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre fotos e textos ricos
da flora regional, esse livro oferece uma imensa expressão de
delicadeza das flores em plena rudeza da caatinga. Impossível passar
indiferente diante de tamanha lembrança da experiência de sentir-me
presente naquele cenário.
Trabalhos de grande relevância como o
"Guia de plantas visitadas por abelhas" e o "Flores da Caatinga", não
servem somente para quem tem valor afetivo por essas plantas e suas
flores. A natureza está dentro até mesmo do mais citadino dos seres,
mesmo aquelas pessoas que, quando diante de flores naturais, dizem que
são tão perfeitas que parecem de plástico. Querendo ou não, o indivíduo
urbano está nas árvores das ruas, das praças e dos jardins. O fato de,
na cidade, o mundo botânico estar dividido e repartido por construções
de concreto presas em cintas de asfalto, pode até nos embrutecer, mas
não há como tirar totalmente de nós o vínculo original com a natureza.
Imagens
como as das abelhas nas flores podem polinizar esse entendimento na
mais urbanizada das pessoas, mesmo que seja apenas pela boniteza, pelo
exótico, pela memória ancestral. A fotografia não é a natureza, mas pode
sugerir a vastidão do que não é percebido no desencontro da cultura com
o meio ambiente. As imagens de livros como esses servem para nos tirar
da passividade, da inércia, chamando a atenção à pobreza do nosso modelo
de vida contemporâneo, que precisa ser redirecionado, inclinando-se
preferencialmente a um estado de maior inteireza e de um sentir
continuado.
As fotos de flores são diferentes dos buquês. Os
buquês antecipam o tempo de vida das flores, matando-as antes do tempo.
As fotos eternizam sem antecipar ciclos. Não gosto de dar flores de
presente; parece-me uma demonstração de fraqueza da relação. O maior
presente que se pode dar com flores é levar a pessoa querida ao jardim,
ao lugar onde as flores estão vivas, onde os insetos fazem a brincadeira
do gozo da polinização. Nessas circunstâncias, tirar uma flor
espontaneamente, quer pelo cheiro, quer pela beleza, para dar à pessoa
amada, faz parte da função da flor e do amor. É diferente.
Tenho
pena também dos bonsais. Em nome do charme decorativo, essas plantinhas
são privadas da liberdade de viver na natureza para sobreviverem
inanidas por torturas, que vão desde a poda de raízes até a sede
controlada, passando por apertados vasos que impedem que cresçam. São
fáceis de cuidar, sujam pouco, eu sei, mas não é bom para abelhas,
borboletas e beija-flores. É diferente da poda feita com respeito ao
espreguiçar dos galhos. Acho horríveis também aqueles jardins
geométricos, que tiram a liberdade dos galhos, das folhas e das flores
vadiarem.
Um livro de fotos ou um livro de pinturas e de textos
sobre flores é para mim mais bem-vindo do que buquês ou bonsais. Uma boa
foto de natureza não deixa o leitor somente no livro; ele passa a ter
vontade de ver de perto o original, saindo consequentemente do plano
mental para os planos vital e espiritual. E quando fazemos isso é porque
nos identificarmos com o voo das abelhas, com a firmeza das árvores, a
flexibilidade dos arbustos, a trama das trepadeiras e com a atração das
flores.
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