A grande revolução no consumo seria, nessa hipótese, a união da criatividade com o conforto (...) As políticas de banda larga deveriam antes de tudo serem fundamentadas em razões culturais
Dezembro de 2010. A economia mundial continua sob os efeitos cambaleantes da quebra do sistema hipotecário estadunidense que levou a colapso o mercado financeiro em 2008. No Brasil, a situação desvia-se da regra, em consequência da combinação de fatores como renda maior, desemprego menor, ampliação da base de consumidores, aumento de crédito e a queda no preço dos importados, provocada pela desvalorização do real na guerra do câmbio.
Em 2008, pouco antes da crise, um estudo da agência norte-americana Young & Rubican traçava o perfil do que os consumidores tinham em comum, independente de classe social, gênero, poder aquisitivo, faixa etária e referências culturais. Com variação de predominância por região, os tipos resumiam-se entre: a) fieis a marcas tradicionais, b) ostentadores do status de consumidor; c) compradores comedidos; d) novidadeiros; e) politicamente corretos; f) avessos a inovações; e g) voltados para preços e gratificação instantânea.
No mesmo ano de 2008, as principais megatendências de estilo de consumo, projetadas pela Future Concept Lab, empresa italiana de pesquisa social e de mercado, apontavam para: a) a gratuidade da experiência compartilhada; b) o gosto autêntico como impulsionador de compra; c) a atração pelas linguagens lúdicas; d) a regeneração dos estilos do passado; e) a circunstância como resposta às paixões; f) a qualidade do tempo e do espaço como variável do desejo.
As duas prospecções oferecem um panorama bem razoável das características do consumidor contemporâneo. Francesco Morace, presidente da FCL chegou a organizar um livro, intitulado "Consumo Autoral - as gerações como empresas criativas" (Estação das Letras e das Cores, SP, 2009), no qual tenta mostrar a unicidade existente em fenômenos aparentemente distintos. Neste aspecto, ele descola o consumidor que é ao mesmo tempo autor e ator de suas próprias escolhas de consumo, daquele sobre o qual ainda prevalece a influência das marcas e da publicidade.
Achei formidável esse conceito de o consumidor ter uma marca autoral. O que o meu pensamento passa à margem da tese de Morace é quanto aos motivos que podem levar as pessoas a essa condição de autonomia nas decisões de compra. Ele acredita que florescerá da cultura colaborativa, fomentada pela nova economia, um novo consumidor que considerará as marcas e os produtos seus companheiros de vida. Particularmente entendo que parte da sociedade caminha para o consumo autoral, mas como expressão consciente do que tenho chamado de social-ambientalismo participativo.
Os colaboradores de Francesco Morace entendem que para esse consumidor autor desabrochar faz-se necessário repensar, recriar e redesenhar o mercado, de forma a contemplar o sentido de inovação existente na experiência do consumidor. Acreditam que os bens de criatividade já são uma prioridade para muitos indivíduos. Entenda-se aí como bem de criatividade, os relacionais, os culturais, enfim, os de longo prazo; diferentes, portanto dos bens de conforto, voltados para estímulos imediatos, de curto prazo.
A grande revolução no consumo seria, nessa hipótese, a união da criatividade com o conforto. O uso da rede mundial de computadores e das tecnologias digitais por comunidades colaborativas para o desenvolvimento de projetos comuns seria uma maneira de chegar a uma visão neorrenascentista das profissões, do consumo e do mercado. Algo como uma retomada dos valores humanos, pelo abandono da velha lógica de uma globalização surda a qualquer diferença.
No novo mundo do consumo autoral, as pessoas exercitariam a capacidade de escolher, de interpretar, combinar livremente serviços, produtos e estéticas porque teriam seus genius loci respeitados e uma coerência experiencial de serem consumidores de produtos e serviços dos quais têm participação como protagonistas criativos. Não sei não, essa vulgata me parece mais uma justificativa para a socialização de produtividade, em favor de uma nova mais valia.
O estudo da Future Concept Lab insiste em avisar que a nova economia teria revolucionado os valores essenciais da existência, alterando assim a racionalidade que tem guiado o comportamento dos indivíduos no mundo do consumo. O consumidor autoral, urdido por novos modelos de pensamento coletivizado, estaria com seu campo estético mais alargado e poderia assumir o papel antes atribuído ao crítico. Isso o faria ter uma inteligência de escolha orientada por sua própria sensibilidade.
Como cogitação do processo dialético esses argumentos são atraentes e me parecem necessários ao avanço das urgentes discussões relativas ao consumo. Afinal, a ideologia do consumismo vigente nos faz devorar ¼ a mais do que as condições de reposição da natureza. Mas, sinceramente, não espero consciência de consumo advinda desse novo processo de exploração do capitalismo. As infovias estão controladas por novos sistemas de captura de lucros em tempo real e à base de seguidores que interagem enquanto compram e ajudam a vender.
A intensificação da convergência pela busca dos mesmos eletroeletrônicos de tecnologia mais avançada, tipo tevê de tela plana, celulares e netbooks, é uma prova de que há uma forte onda dirigindo os impulsos de consumo. Tudo isso pode, sim, estar sendo construído de forma colaborativa. Quer dizer: independentemente de quem sejam, de como e onde vivam ou de suas condições culturais, ao serem assimilados como seguidos ou seguidores, os usuários assumem uma sintonia coletiva, capaz de torná-los marqueteiros sem causa.
O que seria consumo autoral nesses casos acontece em um brete comercial de pouca graça. Explico melhor: você pode escolher um aparelho celular que dance tango e que fotografe no escuro. Faça o que quiser, escolha o que quiser, desde que compre um novo celular. Isso me parece com a variante da teoria dos jogos que leva um participante a tomar uma determinada decisão por considerar que os outros estão se comportando do mesmo jeito.
Para mim, a tendência a um autêntico consumo autoral somente será confirmada no dia que deixarmos de pensar na popularização do acesso ao mundo das redes digitais por motivos prioritariamente econômicos. As políticas de banda larga deveriam antes de tudo serem fundamentadas em razões culturais. Encaradas assim, ter um computador deixaria de ser uma estatística de inclusão para ser uma inclusão no debate do que fazer com ele. O consumo autoral deve estar além da noção de serviços ou produtos, cujos pressupostos ainda são pouco claros em uma sociedade modelada por impulsos consumistas.
A internet produziu uma excelente inflexão em nossos parâmetros de consumo, tanto na pesquisa de preços quanto nas opções de compra e no exercício dos direitos do consumidor. Espalhar na rede experiências de compra, principalmente quando negativas, tem sido comum, até como desabafo, catarse, demonstração do novo poder de afirmação e de negação da parte do consumidor. Isso não significa, todavia, que estejamos inclinados a deixar de lado a economia de consumo para voltarmos a uma economia de produção.
Esteja no perfil sistematizado pela Young & Rubican ou dentro das megatendências projetadas pela Future Concept Lab, a marca autoral do consumidor é um tema empolgante e necessário. A reversão do quadro de degradação do planeta está diretamente associada à nossa tomada de consciência no que diz respeito à sustentabilidade. Isso, sim, pode nos levar definitivamente a assinar nossas escolhas.
Dezembro de 2010. A economia mundial continua sob os efeitos cambaleantes da quebra do sistema hipotecário estadunidense que levou a colapso o mercado financeiro em 2008. No Brasil, a situação desvia-se da regra, em consequência da combinação de fatores como renda maior, desemprego menor, ampliação da base de consumidores, aumento de crédito e a queda no preço dos importados, provocada pela desvalorização do real na guerra do câmbio.
Em 2008, pouco antes da crise, um estudo da agência norte-americana Young & Rubican traçava o perfil do que os consumidores tinham em comum, independente de classe social, gênero, poder aquisitivo, faixa etária e referências culturais. Com variação de predominância por região, os tipos resumiam-se entre: a) fieis a marcas tradicionais, b) ostentadores do status de consumidor; c) compradores comedidos; d) novidadeiros; e) politicamente corretos; f) avessos a inovações; e g) voltados para preços e gratificação instantânea.
No mesmo ano de 2008, as principais megatendências de estilo de consumo, projetadas pela Future Concept Lab, empresa italiana de pesquisa social e de mercado, apontavam para: a) a gratuidade da experiência compartilhada; b) o gosto autêntico como impulsionador de compra; c) a atração pelas linguagens lúdicas; d) a regeneração dos estilos do passado; e) a circunstância como resposta às paixões; f) a qualidade do tempo e do espaço como variável do desejo.
As duas prospecções oferecem um panorama bem razoável das características do consumidor contemporâneo. Francesco Morace, presidente da FCL chegou a organizar um livro, intitulado "Consumo Autoral - as gerações como empresas criativas" (Estação das Letras e das Cores, SP, 2009), no qual tenta mostrar a unicidade existente em fenômenos aparentemente distintos. Neste aspecto, ele descola o consumidor que é ao mesmo tempo autor e ator de suas próprias escolhas de consumo, daquele sobre o qual ainda prevalece a influência das marcas e da publicidade.
Achei formidável esse conceito de o consumidor ter uma marca autoral. O que o meu pensamento passa à margem da tese de Morace é quanto aos motivos que podem levar as pessoas a essa condição de autonomia nas decisões de compra. Ele acredita que florescerá da cultura colaborativa, fomentada pela nova economia, um novo consumidor que considerará as marcas e os produtos seus companheiros de vida. Particularmente entendo que parte da sociedade caminha para o consumo autoral, mas como expressão consciente do que tenho chamado de social-ambientalismo participativo.
Os colaboradores de Francesco Morace entendem que para esse consumidor autor desabrochar faz-se necessário repensar, recriar e redesenhar o mercado, de forma a contemplar o sentido de inovação existente na experiência do consumidor. Acreditam que os bens de criatividade já são uma prioridade para muitos indivíduos. Entenda-se aí como bem de criatividade, os relacionais, os culturais, enfim, os de longo prazo; diferentes, portanto dos bens de conforto, voltados para estímulos imediatos, de curto prazo.
A grande revolução no consumo seria, nessa hipótese, a união da criatividade com o conforto. O uso da rede mundial de computadores e das tecnologias digitais por comunidades colaborativas para o desenvolvimento de projetos comuns seria uma maneira de chegar a uma visão neorrenascentista das profissões, do consumo e do mercado. Algo como uma retomada dos valores humanos, pelo abandono da velha lógica de uma globalização surda a qualquer diferença.
No novo mundo do consumo autoral, as pessoas exercitariam a capacidade de escolher, de interpretar, combinar livremente serviços, produtos e estéticas porque teriam seus genius loci respeitados e uma coerência experiencial de serem consumidores de produtos e serviços dos quais têm participação como protagonistas criativos. Não sei não, essa vulgata me parece mais uma justificativa para a socialização de produtividade, em favor de uma nova mais valia.
O estudo da Future Concept Lab insiste em avisar que a nova economia teria revolucionado os valores essenciais da existência, alterando assim a racionalidade que tem guiado o comportamento dos indivíduos no mundo do consumo. O consumidor autoral, urdido por novos modelos de pensamento coletivizado, estaria com seu campo estético mais alargado e poderia assumir o papel antes atribuído ao crítico. Isso o faria ter uma inteligência de escolha orientada por sua própria sensibilidade.
Como cogitação do processo dialético esses argumentos são atraentes e me parecem necessários ao avanço das urgentes discussões relativas ao consumo. Afinal, a ideologia do consumismo vigente nos faz devorar ¼ a mais do que as condições de reposição da natureza. Mas, sinceramente, não espero consciência de consumo advinda desse novo processo de exploração do capitalismo. As infovias estão controladas por novos sistemas de captura de lucros em tempo real e à base de seguidores que interagem enquanto compram e ajudam a vender.
A intensificação da convergência pela busca dos mesmos eletroeletrônicos de tecnologia mais avançada, tipo tevê de tela plana, celulares e netbooks, é uma prova de que há uma forte onda dirigindo os impulsos de consumo. Tudo isso pode, sim, estar sendo construído de forma colaborativa. Quer dizer: independentemente de quem sejam, de como e onde vivam ou de suas condições culturais, ao serem assimilados como seguidos ou seguidores, os usuários assumem uma sintonia coletiva, capaz de torná-los marqueteiros sem causa.
O que seria consumo autoral nesses casos acontece em um brete comercial de pouca graça. Explico melhor: você pode escolher um aparelho celular que dance tango e que fotografe no escuro. Faça o que quiser, escolha o que quiser, desde que compre um novo celular. Isso me parece com a variante da teoria dos jogos que leva um participante a tomar uma determinada decisão por considerar que os outros estão se comportando do mesmo jeito.
Para mim, a tendência a um autêntico consumo autoral somente será confirmada no dia que deixarmos de pensar na popularização do acesso ao mundo das redes digitais por motivos prioritariamente econômicos. As políticas de banda larga deveriam antes de tudo serem fundamentadas em razões culturais. Encaradas assim, ter um computador deixaria de ser uma estatística de inclusão para ser uma inclusão no debate do que fazer com ele. O consumo autoral deve estar além da noção de serviços ou produtos, cujos pressupostos ainda são pouco claros em uma sociedade modelada por impulsos consumistas.
A internet produziu uma excelente inflexão em nossos parâmetros de consumo, tanto na pesquisa de preços quanto nas opções de compra e no exercício dos direitos do consumidor. Espalhar na rede experiências de compra, principalmente quando negativas, tem sido comum, até como desabafo, catarse, demonstração do novo poder de afirmação e de negação da parte do consumidor. Isso não significa, todavia, que estejamos inclinados a deixar de lado a economia de consumo para voltarmos a uma economia de produção.
Esteja no perfil sistematizado pela Young & Rubican ou dentro das megatendências projetadas pela Future Concept Lab, a marca autoral do consumidor é um tema empolgante e necessário. A reversão do quadro de degradação do planeta está diretamente associada à nossa tomada de consciência no que diz respeito à sustentabilidade. Isso, sim, pode nos levar definitivamente a assinar nossas escolhas.
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