O som vem de antes dos humanos; é
um fenômeno natural abundante e atemporal. A combinação de sons com intervalos
foi aprimorada e virou música. Numa perspectiva histórica e social, a fala dos
sons e os sons da fala estão na base da nossa comunicação. Assim, a
contribuição da música na formação humana vem de épocas pré-linguísticas.
Depois vieram os instrumentos musicais e as festas da espiritualidade, da
cultura e da criatividade nunca mais acabaram.
No Brasil, as referências
musicais nativas foram ofuscadas com a chegada dos padres Jesuítas a partir de
meados do século XVI. Os padres da Companhia de Jesus se valiam da música para
a catequese e para o ensino da leitura e da matemática. Também nesse período, a
globalização econômica do mercado da escravidão passou a trazer para o que
viria a ser o Brasil os irmãos negros e, estes, trouxeram consigo a sua cultura
musical.
No século XVII o ensino do canto
foi oficializado nas aldeias e, no século XIX, a noção de música e os
exercícios de canto foram formalizados no currículo escolar brasileiro. A nossa
música ganhou uma rica contribuição dos imigrantes europeus e asiáticos, que se
tornaram brasileiros no final do século XIX e início do século XX. Mas foi na
primeira metade do século XX que o projeto de Educação Musical de Villa-Lobos
ganhou dimensões de política de governo. E, na segunda metade, o País passou a
ser novamente colonizado pela formação musical da comunicação de massa.
Nesse vaivém de sons, sentidos e
multiculturalismo, das sonoridades locais e daquelas vindas com as caravelas ou
nas antenas de radiodifusão, nasceram a diversidade e a pluralidade da música
brasileira. Em meio a povoamentos, trocas e antropofagias reverberantes,
ganhamos até um musicólogo alemão, naturalizado brasileiro, o professor
Koellreutter, que trabalhou a música como instrumento de formação integral,
desenvolvimento corporal e socialização. E quando parecia que
potencializaríamos esses vínculos e reafirmação da música no cotidiano escolar,
a ditadura militar afastou a educação musical das escolas.
Somente no final da primeira
década deste século XXI, a música voltou a ser oficialmente conteúdo
obrigatório no currículo escolar brasileiro. No artigo "A música na
educação" (DN, 18/11/2010), manifestei a minha convicção do quanto essa
decisão do governo federal tem de importância "para o desenvolvimento e a
intensificação do senso estético e valorização da integração pela arte na grade
curricular da Educação Básica - Infantil e Fundamental - nas escolas
brasileiras". Estávamos naquele momento prestes a chegar aos três anos
determinados pela Lei 11.769/2008 como limite para a adaptação dos sistemas de
ensino do País à educação com música.
Quatro décadas de tempo perdido
(1971 - 2011) suscitaram muitas indagações de como fazer isso e até prováveis
dúvidas da sua importância. Mas a Ordem dos Advogados do Brasil - Secional
Ceará, que tem na sua Comissão de Direitos Culturais o advogado e músico
Ricardo Bacelar (ex-Hanói Hanói), está cobrando a aplicação da lei. A repórter
Mozarly Almeida cobriu a coletiva realizada na semana passada, na qual a OAB-CE
"anunciou a decisão da instituição de enviar ofício a oito mil escolas
cearenses, da rede pública e privada, e também aos secretários de educação
municipais do Estado cobrando a aplicação da norma" (DN, p. 5,
29/03/2012).
O tema é de grande interesse social. Requer ser intensamente discutido ao passo que vai sendo implementado. Não é a situação ideal, mas é a que está posta. E foi pensando na escassez de material de apoio que duas produtoras culturais paulistas, Gisele Jordão e Renata Allucci, se uniram ao músico Sérgio Molina e à psicóloga educacional Adriana Terahata, para editar, com patrocínio da Vale, o livro "A Música na Escola" (Allucci, 288 pág. São Paulo, 2012). A publicação, que tem edição digital acessada pelo site "www.amusicanaescola.com.br" é uma excelente contribuição do Sudeste ao debate nacional.
O tema é de grande interesse social. Requer ser intensamente discutido ao passo que vai sendo implementado. Não é a situação ideal, mas é a que está posta. E foi pensando na escassez de material de apoio que duas produtoras culturais paulistas, Gisele Jordão e Renata Allucci, se uniram ao músico Sérgio Molina e à psicóloga educacional Adriana Terahata, para editar, com patrocínio da Vale, o livro "A Música na Escola" (Allucci, 288 pág. São Paulo, 2012). A publicação, que tem edição digital acessada pelo site "www.amusicanaescola.com.br" é uma excelente contribuição do Sudeste ao debate nacional.
O livro explicita a complexidade
da questão, mas encara os fatos com simplicidade. Com a colaboração de
educadores, músicos e especialistas, abrange desde referências históricas até
propostas de exercícios, passando por informações e pontos de vista. São 22
artigos inéditos, 39 práticas de educação musical - nenhuma delas voltada para
aula de instrumento -, dez abordagens de conteúdos e dez rodas de conversas,
reunidas em quatro grandes blocos: (1) Justificativas de por que música na
escola; (2) Fundamentos da educação musical; (3) A música do Brasil e do mundo;
e (4) A educação com música.
Muitas das perguntas que todo
educador se faz com relação à introdução de conteúdos da linguagem musical na
escola estão contempladas nesse trabalho: "O que significa ensinar
música?", "O que deve ser ensinado?", "Qual o papel do
educador de música?", "Quem é esse educador?", "Qual deve
ser a sua formação?". O livro não traz respostas, ele apresenta
pensamentos sobre tudo isso. Iramar Rodrigues, professor de sensorialidade,
argumenta por exemplo, que se o professor de música "tiver princípios
pedagógicos de base claros e precisos, e souber o porquê do trabalho a ser
desenvolvido, ele não precisará ser um especialista" (p. 91).
O violonista Fabio Zanon chama a
atenção para o tratamento diferenciado que deve ser dado a cada região do País
e para o envolvimento dos pais nesse processo (p. 128). Carlos Sandroni,
compositor e professor de etnomusicologia, recorre ao saudoso educador Paulo
Freire (p.133) e ao músico Maurício Pereira (p. 143) para propor o
aproveitamento dos canais de trocas entre analfabetos e letrados em música,
comportamento referendado pelo músico e psicólogo social Ivan Vilela, em seus
argumentos de que o mais relevante nesse aprendizado acaba sendo a crônica que
"a maior expressão de música popular do mundo" (p. 141) faz dos
anseios e acontecimentos ocorridos com as pessoas "que não tiveram a sua
história registrada pelas vias comuns da escrita" (p. 135). Para ele, até
mesmo por uma questão de finalidade histórica, deveríamos criar a nossa própria
metodologia (p. 141).
Lucilene Silva, educadora musical
da Casa Redonda, de Carapicuíba, onde a musicalização não está ligada a
expectativa de resultados, que não o de suas qualidades transversais em todo o
processo educacional, propõe que "diante da riqueza e diversidade da
música tradicional da infância, é inegável a importância de tê-la como
substrato principal na educação musical das crianças brasileiras" (p.
151). A música infantil realmente deve ter um lugar especial de sensibilidade
na escola. Afinal, a cultura da infância é tão universal e atemporal quanto a
música.
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