Numa época em
que grandes revistas semanais de alcance nacional circulavam com cerca de 40
mil exemplares, a imprensa alternativa teve jornais com grandes tiragens, como
o Opinião (1971), que em seis anos chegou a picos de 38.400 exemplares, e o
Pasquim (1969), que saiu de 20 mil para 200 mil exemplares em duas décadas de
circulação. O período entre o golpe militar de 1964 e a Anistia, em 1979, foi
marcado por um mundo espelhado pelos blocos ideológicos do
capitalismo/liberalismo e do comunismo/socialismo.
A vida política
brasileira seguia submetida a essas duas perspectivas e a palavra
"resistência" passou, então, a sintetizar a mentalidade dos que
fizeram jornalismo de oposição ao regime militar. Daí o título do projeto
"Resistir é preciso", que o Instituto Vladimir Herzog está lançando,
tendo como primeiros produtos dois álbuns de memória; um, "Os
protagonistas desta história", com 60 dos muitos fazedores dessa imprensa
insurgente, e outro, "As capas desta história", com primeiras páginas
de centenas de jornais de circulação perseguida.
Em "Os
protagonistas", trechos de mais de 100 horas de gravação em 12 DVDs, com
coordenação de Clarice e Ivo Herzog e pesquisa de Vladimir Sacchetta, pode-se
apreciar falas de ativistas e militantes da imprensa alternativa, clandestina e
de exílio, que influenciaram no processo de redemocratização do Brasil. Para
adquirir a íntegra de cada depoimento o caminho é o e-mail
protagonistas@vladimirherzog.org do Instituto Vladimir Herzog. Nas 188 páginas
de "As capas", 300 delas ilustram o livro organizado por Ricardo
Carvalho, José Luiz del Roio, Vladimir Sacchetta e José Maurício de Oliveira.
Embora centrado
no contexto dos fatos e versões desse período da história recente do Brasil e
suas restrições ao acesso à informação, o projeto "Resistir é
preciso" faz um apanhado geral de publicações que precedem o recorte
histórico abordado. E dentre os que vieram antes estão jornais como o Tiphis
Pernambucano (1823), feito por Frei Caneca no calor da Confederação do Equador,
e um muito especial, pela genialidade e irreverência, que foi o Jornal Subiroff
(1920), de Nereu Pestana, filho de Nestor Pestana, então diretor de redação do
jornal O Estado de São Paulo. Ele inventou o delegado russo Ivan Subiroff para
dinamizar um jornal considerado de boa qualidade de opinião.
A lista é grande e atraente. O pesquisador Vladimir Sacchetta ressalta a importância da referência e reverência aos que vieram antes, como base para os jornais que "não hesitaram em criticar a violência, os abusos e o conservadorismo impostos pela ditadura" no Brasil. E o primeiro deles foi o Pif-paf (1964), criado pelo humor inteligente e cáustico de Millôr Fernandes, com a colaboração do Jaguar, Ziraldo, Fortuna, Claudius e Sérgio Porto. A capa reproduzida é a da edição número 3, na qual aparece um general em carta de baralho e a seguinte nota de rodapé: "Esta é a nossa capa. Aliás, capa e espada".
A lista é grande e atraente. O pesquisador Vladimir Sacchetta ressalta a importância da referência e reverência aos que vieram antes, como base para os jornais que "não hesitaram em criticar a violência, os abusos e o conservadorismo impostos pela ditadura" no Brasil. E o primeiro deles foi o Pif-paf (1964), criado pelo humor inteligente e cáustico de Millôr Fernandes, com a colaboração do Jaguar, Ziraldo, Fortuna, Claudius e Sérgio Porto. A capa reproduzida é a da edição número 3, na qual aparece um general em carta de baralho e a seguinte nota de rodapé: "Esta é a nossa capa. Aliás, capa e espada".
O maior, o mais
influente, o mais criativo e o que durou mais dentre todos, O Pasquim (de 1969
a 1991), é um dos poucos a ter a sabedoria de recorrer à cultura, veiculando
uma mescla de pensamento de artistas, intelectuais, jornalistas, estudantes e
militantes políticos, em sua luta pela desmoralização em tempos de ditadura. A
interação rendeu citações como a de Roberto e Erasmo Carlos na música Coqueiro
verde: "Mas eu vou embora / vou ler meu Pasquim". Ziraldo conta que
era preciso fazer de três a quatro colunas para escapar dos censores e
assegurar a publicação do jornal. Relata o fato sem pose: "Não tem heroísmo
nisso. É da natureza da profissão".
Beatriz Kushnir,
diretora do Arquivo Cidade do Rio de Janeiro, é de opinião que O Pasquim é um
exemplo de como esse tipo de imprensa poderia ter dado certo, caso existisse
nos protagonistas da "resistência" um espírito empreendedor empresarial.
Ela tem razão, tanto que o outro exemplo de publicação sólida e mais duradoura
do que o normal no mundo da imprensa alternativa, é o jornal Opinião, de
Fernando Gasparian, empresário da indústria têxtil que bancou a sua publicação.
Editado por Raimundo Pereira, pernambucano de Exu, o Opinião posicionava-se
claramente contra a ditadura e, para ter asas soltas, contava com uma equipe de
colaboradores que ia de Celso Furtado a Antônio Cândido.
Assistindo aos
depoimentos disponibilizados nos DVDs foi que me dei conta de algo que sempre
me inquietou: por que havia tanto racha no meio dessa imprensa marginal?
Raimundo Pereira explica: "O sujeito quer um jornal para expressar os seus
pontos de vista", quando não dava, não havia o que tolerar; o comum era
sair para fazer o próprio jornal. Foi assim que, a partir do Opinião surgiu o
Movimento, depois o Amanhã, em seguida o Em Tempo, que se vangloriava de ser um
jornal de jornalistas, sem direção de partidos ou facções políticas. Maria Rita
Kehl atribui as assembleias intermináveis às tentativas constantes das
tendências de dominar o jornal.
Um jornal que
ganhou muita importância também por recorrer à cultura em sua dimensão de
transformação política, foi o Versus (1976). O livro do projeto "Resistir
é preciso" mostra uma capa do Versus com uma plêiade de personagens
lendários, acentuados pela força estética que os acompanhava, a exemplo de
Emiliano Zapata e Virgulino Ferreira, o Lampião. Outra estratégia maravilhosa
desse jornal era a recorrência a abordagens latino-americanas para dizer do
Brasil, sem precisar dizer. Osmar de Barros Filho (Matico), velho gaúcho de
guerra, esclarece que, por exemplo, "quando falávamos da morte de um índio
peruano, falávamos também do índio brasileiro".
Muito boa também
é a história do jornal O Sol (1967), cantado por Caetano Veloso em Alegria,
Alegria: "O Sol nas bancas de revista / me enche de alegria e
preguiça". Encarte do Jornal de Sports, O Sol inovou na parte gráfica,
colocando um artista diferente para fazer cada uma das suas edições. A biógrafa
Ana Arruda Callado lembra que esse jornal pretendia ser uma escola de formação
prática de jornalistas, em contraponto às escolas teóricas e seus "jornais
de mentirinha". Reynaldo Jardim, poeta e editor, queria um jornal que apostasse
na boa notícia, que fosse um jornal jovem e para jovens. E adverte: "Jovem
é aquele velho Bertrand Russel e não aquele estudante desatento da realidade
que o cerca".
É muito
divertida a história dos dois casamentos de Bernardo (que tinha codinome José
Ricardo) e Olívia Joffily, casal que de 1974 a 1979 foi responsável pelas
transmissões em português da Rádio Tirana, da Albânia, sabendo do Brasil apenas
pelas ondas da BBC de Londres e das rádios da Suécia, de Moscou e de Pequim.
Entre os relatos mais emocionantes está o de Bia Cannabrava sobre sua relação
com a música para suportar o exílio. Um pouco de "Pátria Amada"
(Vandré e Manduka), vencedora do Festival de Aguadulce, no Peru (1972), cantada
por Soledad Bravo: "Se é para dizer adeus / pra não te ver jamais / eu,
que dos filhos teus / fui te querer demais...". E virou hino dos exilados.
E para descontrair, o genial cartunista Laerte esclarece que passou a andar
vestido de mulher por "inconformidade com os padrões de gênero" e por
"desejo profundo de se aproximar do mundo feminino". E por aí vai...
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