quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A reputação da Justiça - 09/02/2012 - Diário do Nordeste


A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela manutenção do poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar juízes suspeitos de práticas irregulares, contrariando movimentações de tribunais estaduais, na apertada votação de seis a cinco, realizada na quinta-feira passada (2/2) em Brasília, mais do que uma sentença de foro interno da magistratura, foi uma manifestação em favor reputação da própria justiça.


Quem quer que observe esse fato de fora do contexto da evolução da democracia no Brasil, pode pensar que a crise que se estabeleceu no Judiciário terá sido apenas um grave impasse institucional, decorrente das investidas corporativas contra a autonomia do CNJ. Entretanto, o que se espera que seja salvo dos escombros desse conflito e seus traumatismos éticos é a restauração da imagem da justiça por parte dos magistrados que honram a toga.


Em meios forenses, o mal-estar com relação a uma instituição responsável pelo controle externo do Poder Judiciário vem acontecendo desde 2005, quando o CNJ entrou em operação, contando com a participação de representantes do Poder Legislativo, do Ministério Público e da sociedade civil. As associações de juízes e magistrados beneficiados de algum modo pela opacidade do Judiciário vinham travando uma guerra de ações em busca do conforto do isolamento.


Felizmente e finalmente, o STF deu um basta nessa vergonhosa postura de juízes quererem continuar controlando a si mesmos, no âmbito das corregedorias, onde podem exercer influência direta. A situação tinha chegado a pontos extremos e estava ameaçando a integridade da Corte constitucional brasileira. O que seria apenas um embate entre juízes voltados para interesses de categoria e juízes com interesses republicanos, tornara-se crítica para a credibilidade da justiça.


Denúncias de improbidade, desmandos, simulação investigativa, ganhos exorbitantes e nem sempre comprovados, nepotismo, movimentações financeiras fraudulentas, regalias e privilégios excessivos e muitas vezes inadequados ao código de conduta da profissão, de atos de corrupção, de promiscuidade, vendas de sentenças e de outros tantos comportamentos desviantes tornaram-se públicas, passando a corroer as bases da credibilidade de um Poder conhecido por seu hermetismo e impermeabilidade. E isso não é coisa nova; o que há de novo é a revelação.


Daí, o que seria um choque de teses entre magistrados, virou dilema do papel da justiça; tendo de um lado o conservadorismo fechado e, por vezes, nebuloso dos tribunais, e, do outro, o amadurecimento da sociedade civil em suas expectativas cidadãs de transparência, à medida que avança na consolidação do nosso Estado democrático de Direito. Embora malvisto pela morosidade dos processos nos tribunais, o Judiciário, dos três Poderes, ainda é aquele em que a população deposita mais confiança.

A decisão do STF leva à opinião pública um sinal de respeito e abre espaço para a construção de uma nova magistratura, mais sintonizada com as transformações políticas e sociais em curso no Brasil. Quantos dos cerca de quinze mil juízes existentes no País (dos quais, ao que se sabe, há cerca de quinze por cento sob investigação) valorizarão essa mensagem do Supremo é uma pergunta que fica para ser respondida no futuro. Uma coisa, porém, é certa: a crise serviu para a sociedade ficar mais vigilante, mais desperta e a ilibação dos responsáveis pela interpretação das leis, tornou-se um valor que ganha variados contornos em diferentes fóruns de debates.


A punição de maus juízes e magistrados, por parte do CNJ, contribui para o fortalecimento da credibilidade do Judiciário, pois dá o conforto mínimo à sociedade de que critérios mais coerentes com a virtude arbitrária da melhor consciência estão estabelecidos; não ficando no ar aquela desconfiança de quando a apuração e a punição de algum desvio é feita entre pares. Ao parar com isso, o STF fortaleceu moralmente a si, politicamente o CNJ e o conjunto dos tribunais do País, contribuindo assim para consolidar ganhos institucionais muito valiosos.


Faz bem lembrar que a criação do CNJ, como tudo no mundo do Direito, não nasceu de mero acaso. O Conselho Nacional de Justiça, como órgão de fiscalização externa do Poder Judiciário foi previsto na Constituição Cidadã de 1988 (art.92), levou mais de dezesseis anos para ser implementado (Emenda nº 45/2004) e mais outros sete anos sob ataque de corporações de juízes para, no fim das contas, se firmar na apertada decisão do Supremo, como uma desejada e indispensável instância de zelo pela justiça no País, com foco no controle administrativo e financeiro, na legalidade e na eliminação de benefícios imorais de magistrados e no cumprimento das suas responsabilidades.


A abrangência da ação do CNJ engloba todo o Judiciário, desde ministros e desembargadores, indo até o mais simples dos juízes. A qualidade democrática desse Poder ganha com isso porque faz parte do nosso aperfeiçoamento democrático como um todo. A matéria de capa "Justiça? Que Justiça?", da revista Carta Capital desta semana sugere que a decisão do STF não passa de uma ação para "melhorar um pouco a própria imagem e de toda a turma da toga" (LÍRIO, Sérgio, "O Judiciário na Penumbra", p. 20, São Paulo, 8/2/2012). E não poupa o que chama de limites impostos ao Conselho: "O CNJ é um arremedo do projeto original. Por manobras corporativas, o que era para ser um órgão de controle externo virou um conselho interno submetido ao STF (...) ele não tem poder de avaliar as decisões e os comportamentos de ministros da mais alta Corte" (idem).


A minha compreensão do que se passa no sistema judicial brasileiro não segue qualquer inclinação absoluta; se bem que é sempre prudente não esquecer do nosso passivo secular de equidade. Procuro observar o problema e a solução encontrada, não pela má fama de juízes e desembargadores envolvidos em atitudes condenáveis ou pelo fato de haver divergências num colegiado de ministros, mas pelo que a decisão representa de deslocamento progressivo da cidadania no processo democrático brasileiro. Tudo isso, repito, faz parte de uma construção social modelada por esforços de positivação coletiva que encorpam com fatos como a decisão do Supremo pela manutenção das competências essenciais do CNJ.


O chega-pra-lá na tentativa de influência de grupos de interesses de classe, colocados acima dos interesses da sociedade e da justiça, revelado em tribunais protetores de seus próprios membros, é fundamental para a boa imagem da justiça em um País ainda tão cheio de desigualdades e injustiças. Com a reabilitação do CNJ a sociedade sente-se mais segura, por ter um canal de acesso à justiça, por meio do qual possa reclamar e denunciar o comportamento dos servidores públicos do Poder Judiciário. As ouvidorias do Conselho cumprem esse papel.


O CNJ, agora definitivamente reconhecido e referendado pelo Supremo Tribunal Federal (em tese, desnecessário), amplia sua força para apurar, investigar e abrir processos contra juízes e desembargadores de conduta duvidosa, contribuindo para recompor os estragos feitos na imagem da justiça, ao passo que for capaz de produzir consequências favoráveis aos interesses da sociedade. E se os mais empenhados homens e mulheres da lei quiserem, dá para fazer; vide a atuação dos juizados especiais e das defensorias públicas nos mais variados estratos sociais.

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