quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A autoridade metropolitana - Diário do Nordeste - 25/11/2010

A existência de autoridades metropolitanas vem sendo discutida e praticada de forma relativa em vários centros urbanos (...) Seja como for, está na hora de colocar em pauta a viabilidade ou não de uma autoridade metropolitana

A complexidade dos problemas das regiões metropolitanas é tão grande que às vezes tentar encará-las dá a sensação de que estamos diante de um destino inescapável. É como se vivêssemos em cidades que não existem mais, em aglomerações urbanas, cujos modelos administrativos não mais atendessem às demandas da cidade real.

Será que o crescimento desordenado e desigual dessas regiões não se ajusta mais a estrutura vigente de gestão pública? O que efetivamente deve ser feito para que as metrópoles e suas cidades satélites consigam o equilíbrio dinâmico necessário a um funcionamento aceitável? Como fazer alguma coisa de modo que o caos estabelecido não continue em expansão?

Em que pese a autonomia jurídica das prefeituras, a trama territorial reciprocamente cruzada entre os municípios, sem uma preocupação estratégica com o bem comum do todo, exige uma revisão constitucional que crie as condições institucionais para o funcionamento de uma autoridade metropolitana, com orçamento próprio e metas transmunicipais claramente definidas.

A existência de autoridades metropolitanas vem sendo discutida e praticada de forma relativa em vários centros urbanos, tais como Nova Iorque, Londres, Bogotá, Curitiba, Belo Horizonte, Madri e Barcelona. Soluções voltadas para o tráfego envolvendo diferentes modalidades de transporte e flexibilizações tarifarias, combinadas com ações que priorizam a locomoção em transportes coletivos e ciclovias, demonstram que são bem-vindas, mas insuficientes.

A existência de alguns instrumentos jurídicos, como a Lei Federal 11.107/2005, que "dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos", são igualmente importantes, mas também não o bastante. Até permitem a constituição de associações de entes federativos com uma certa independência para receber contribuições e subvenções econômicas de outras entidades e órgãos governamentais, porém não possibilitam uma adequada autonomia política, administrativa e financeira.

Para ter força de planejamento e gestão de sistemas integrados nas grandes cidades e suas regiões metropolitanas, a saída parece ser mesmo pela via da autoridade metropolitana. O ideal seria que juntamente com a reforma política se fizesse uma reforma das regiões metropolitanas. Algo que pudesse abranger não somente as áreas urbanas estranguladas, mas que considerasse os entroncamentos de consumo, as cidades-polo culturais, religiosas e econômicas, em torno das quais gravitam dezenas de municípios.

Basta ver as fotos noturnas dos satélites para identificar pela nebulosa de luzes onde estão essas aglomerações constituídas por ajuntamentos de municípios. A saturação desses territórios decorre de um modelo insustentável de ocupação urbana, baseada no inchaço das cidades e esvaziamento do campo. Se o problema é de modelo, temos que pensar em alternativas a esse modelo. E isso pode significar em mexidas no pacto federativo, o que torna o assunto ainda mais sensível, necessário e urgente.

Fiz um rápido exercício para tentar visualizar quais seriam os pontos mais críticos de uma gestão metropolitana integrada. Na minha visão, encontrei cinco dimensões de indiscutível transversalidade: 1) a dimensão das "vivências e convivências culturais"; 2) a "relação com o meio ambiente"; 3) o "bem-estar de segurança pública"; 4) a "mobilidade espontânea"; e 5) a dimensão das "condições básicas de vida e desenvolvimento".

Procurei escapar das abordagens setoriais e dos determinismos econômicos como norteadores das políticas públicas, quando o tema é fazer valer a integração e a potencialização individual e sistêmica das metrópoles e seus municípios periféricos. Passando de um escopo setorial para um olhar de movimentações essenciais e saindo do foco em coisas para enxergar pessoas, pude notar com mais nitidez o quanto é possível sair do parâmetro do crescimento a qualquer custo para o de convivência decente da coletividade.

Então, pensei nas "vivências e convivências culturais" como o estabelecimento de um fundo de pertencimento comum em realidades sociológicas distintas. O uso dos logradouros públicos e dos espaços privados para a circulação permanente de manifestações artísticas, para a difusão do patrimônio histórico e para atividades de lazer são exemplos de oportunidades para novas opções de vida. De igual maneira, pensei no estreitamento da "relação com o meio ambiente", por meio da revitalização das praças e dos parques, do cuidado com a sombra, da valorização do paisagismo, da redução sistemática de poluentes, da reciclagem do lixo e o estímulo à priorização das energias limpas.

O "bem-estar de segurança pública" estaria para a autoridade metropolitana como um compromisso de evitar aberrações anunciadas como a consolidação do tráfico de drogas, o confinamento da infância sem-rua, das fobias sociais e religiosas, do assalto ao voto nos períodos eleitorais, enfim, da chamada violência urbana como um todo, sobretudo com relação a impunidade a indivíduos que se divertem com a miséria dos outros. Ao lado dessa dimensão está a "mobilidade espontânea", o direito de ir e vir sem ser tangido por qualquer tipo de especulação. A acessibilidade, a desobstrução de passagens reservadas, a liberação das calçadas, o direito de andar de bicicleta e as políticas de inibição do uso do automóvel.

A quinta dimensão que imaginei como recurso de ilustração do meu pensamento a respeito da necessidade de institucionalização de uma autoridade metropolitana é o que intitulei de "condições básicas de vida e desenvolvimento". Aqui se coadunam desde as políticas de proteção social até as de ampliação da produtividade econômica. Saúde, saneamento, farmacopeia, habitação, respeito à cultura da infância e todas as práticas sociais e econômicas que nos dicionários podem ser sintetizadas na palavra habitat, no que o termo diz com relação às circunstâncias físicas e geográficas que oferecem condições favoráveis à cidadã e ao cidadão sentirem-se em seu ambiente ideal.

Tomando como referência o caos que se tornou Fortaleza em si e em sua falta de conectividade com os municípios do seu entorno, vê-se que é inadmissível continuar fazendo de conta que a situação não é grave. O problema tomou proporções tão agigantadas que a questão da competência ou incompetência dos gestores parece não bastar para justificá-lo. Fortaleza, uma cidade cuja região metropolitana tem quase a metade da população do Ceará, não pode ser administrada como se fosse apenas uma grande cidade interiorana. Sem um compartilhamento estruturado, dificilmente superaremos o quadro de ineficiência que caracteriza a nossa realidade conurbana.

A autoridade metropolitana poderia ser constituída por um Conselho de Gestão Estratégica, composto pelo governador, pelos prefeitos da região metropolitana e pelo presidente do que seria uma Câmara Legislativa Metropolitana, instância que poderia muito bem dispensar as atuais e controversas câmaras municipais dessas cidades. A organização política de cada local seria assumida pelas entidades da sociedade civil, tornando o sistema um misto de democracia representativa com democracia participativa.

Além desse conselho, a autoridade metropolitana dessa minha idealização exemplificativa, teria ainda um Comitê Executivo, de caráter eminentemente técnico e operacional. Teria orçamento próprio e nessas cinco dimensões ou em outras melhor formuladas agiria com efetividade pela força institucional de atuação sistêmica. Seja como for, está na hora de colocar em pauta a viabilidade ou não de uma autoridade metropolitana.



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