quinta-feira, 19 de julho de 2012

A midiaeducação faz 80 anos (final) - 19/07/2012




O fato de a educação ser hoje em dia muito mais do que uma atribuição escolar, aumenta a importância da escola como ambiente de sociabilidade comprometido com a potencialização do contexto experiencial local, do conhecimento crítico universal e da aprendizagem significativa. Fora da vida escolar não há como assegurar a integridade dos aspectos cognitivos, culturais, relacionais e afetivos, embora não haja também como fazer isso sem o fortalecimento da midiaeducação no processo educacional.

A busca pela construção de uma compreensão comum de sociedade, iniciada há oito décadas pelos pioneiros da nova educação, permanece desafiante, principalmente porque as mídias de massa, como destacadas provedoras de representações, tendem a rejeitar uma experiência pedagógica que fuja aos encartes, cadernos especiais e programas educativos audiovisuais. A ampliação dessas iniciativas esbarra nas contradições homogeneizantes da educação tecnomidiática e sua aplicação em lugares culturalmente diversos.

O compromisso educacional dos sistemas massivos de comunicação começa com o fortalecimento da liberdade de expressão, da circulação de interpretações e de análises com posicionamentos explícitos e da veiculação de notícias livres. O futuro do jornalismo, por exemplo, está atrelado à clareza da voz que toma partido, que diz por quem torce e que assume a parcialidade do ponto de vista, simplesmente porque se inspira em valores e interesses defensáveis.

As empresas de serviços de relacionamentos, a indústria de games, os portais de venda de conteúdos, os serviços de buscas e as agências de comunicação mercadológica, dificilmente aceitarão uma corresponsabilidade educacional sem uma grande e firme pressão social. Essas corporações têm o domínio mundial das atenções e obviamente não querem perder vantagens comerciais em nome de qualquer projeto de coletividade. Os limites das mídias de massa no desenvolvimento da midiaeducação apresentam variados conflitos. A perturbação gerada pela abundância de dados e informações é uma delas. Outra é a confusa distinção entre o que é de interesse social e o que é criação de valor de mercado. Às vezes a deformação educativa está apenas no jeito de expor, como é o caso da publicação das notas e fotos de socialites nos cadernos de arte e cultura e da promoção de celebridades midiáticas como modelos, disfarçando o mundo do espetáculo de realidade objetiva.

Ao ocupar o cotidiano escolar, o mercado informacional-cognitivo trabalhou com a supervalorização da tecnologia, dos meios eletrônicos, digitais e interativos sobre a comunicação no fazer pedagógico. A formação do usuário de educação, para a aplicação das novas tecnologias como ferramenta pedagógica e didática, contou com a vulgata da aceleração do tempo, com a força invisível da informação pulverizada, com a facilidade da produção de mensagens escritas em tom de oralidade e com o determinismo da técnica sobre o humano, recurso ardiloso que chamo de maktub digital.

O que inicialmente era apenas "TI", ou seja, tecnologia da informação, ganhou um "C" de comunicação, formando a sigla "TIC" e ganhando uma abrangência conceitual pouco efetiva. Mesmo assim, os laboratórios de informática viraram moda, como se por si possibilitassem o nivelamento entre a escola e a sociedade. E muitos processos educativos ficaram reféns da ideia de neutralidade que foi vendida com a TIC, enquanto suporte para a ampliação da aprendizagem. As escolas mais atentas conseguiram perceber que não dava para educar somente com a posse da tecnologia. Antes de tudo, deveriam refletir sobre a própria tecnologia.

Na atualidade, a incorporação dos novos sistemas de mídia nos processos de educomunicação e de midiaeducação precisa ir além da TIC. Mais do que aproveitar seus recursos para soluções pedagógicas sonoras e visuais, para o incremento de didática participativa e para a construção de territórios de identificação, cabe escapar do bullying dos defensores de equipamentos que estimulam mais a mente do que os sentimentos, não fazendo caso do tempo para a reflexão interior. Pulamos uma etapa, mas ainda temos condições de recuperá-la, por meio de uma boa articulação do que poderíamos apelidar de TEC; tecnologia, educação e comunicação, entre si e com a sociedade.

A TEC seria o tripé de base da comunidade educativa para a experiência da interdependência do múltiplo repertório cultural e educacional em trânsito pelas vias e infovias. Para isso, os planejamentos pedagógicos de midiaeducação teriam ou terão que passar por uma reconfiguração comunicativa e educacional, na qual a integração dos processos tenha como suporte a dialética formadora da tecnologia, da educação e da comunicação. É na catálise do ponto comum desses três conjuntos que ocorre a midiaeducação. Para que, com os locus da web, a ampliação da esfera pública não siga trazendo consigo a possibilidade de promoção apenas do consumo, mas também da cidadania, as inovações pedagógicas com técnicas midiáticas (Informação, ficção e entretenimento) podem ter intensificado o ensino sobre as próprias mídias (com as mídias), sem que se esqueça, todavia, da importância da convergência de autônomos complementares: o educador saber que pode atuar também como comunicador e vice-versa; e o mercado de informática saber que os dois sabem que não dá mais para deixar de cobrar o seu compromisso educacional diante do consumismo.

A proeminência do papel das mídias na formação da sociabilidade exige o aprofundamento e a ampliação do debate sobre a educação para o consumo, com extensão para o impacto do poder da visibilidade na constituição espacial e temporal da vida em sociedade e suas repercussões no transbordamento da esfera íntima.

O problema é crítico porque a migração do controle dos meios de produção para o controle dos canais de transmissão de dados e informações criou uma verdadeira webtruste, atualmente constituída por corporações do comércio virtual de conteúdos, de serviços de busca e relacionamento, a exemplo da Microsoft, Google, Facebook, CNN e Fox.

A essência da midiaeducação se dá na zona de interseção da tecnologia, da educação e da comunicação (TEC), como campo de eventos civilizatórios, dinamizado pelo engajamento de pessoas no processo educacional, a despeito de serem ou não formalmente educadoras. Algo como as vivências educacionais da pedagogia da Dona Benta, na obra lobatiana, que tem na cultura a substância adstringente da midiaeducação em um processo de elaboração discursiva capaz de preparar as pessoas para se orientarem no mundo, pensando por si e para saberem o que buscam.

A compreensão de que o lugar, as circunstâncias e os interesses na produção de mensagens têm vínculos diretos com os indivíduos, os grupos e as comunidades, liga o saber local ao não-local, na construção de sentido, de conhecimento e de relações (não apenas de contatos). Quanto mais teias de comunicação existirem, mais necessidade da cultura local para a interação humana, sob pena de nos tornarmos apenas usuários passivos nas estatísticas de consumidores finais.

Parafraseando o manifesto da Nova Educação, de 1932, penso que a sociedade deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos possíveis da midiaeducação para a promoção de significantes culturais, que correspondam à vida, com seu valor estético, produtivo e intelectual. Afinal, midiaeducação não é a intermediação de modelos ideais, mas a criação de oportunidades de emancipação. 

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