quinta-feira, 12 de julho de 2012

A mídiaeducação faz 80 anos - 12/06/2012


À primeira vista o tema da mídiaeducação pode parecer algo novo, surgido por força da crescente influência das tecnologias eletrônicas e digitais. Claro que a onipresença das mídias na formação do ser social ganhou proporções grandiosas na atualidade, mas a necessidade de exercitar o entendimento crítico da informação e o sentido de tratar os meios de comunicação de massa como parte indissociável dos sistemas educacionais é um debate que está fazendo 80 anos no Brasil.

Tomo como marco para essa celebração, o manifesto da Nova Educação, assinado em 1932 por intelectuais comprometidos com a melhoria das condições sociais e culturais brasileiras, no contexto de um país imenso, com o futuro ameaçado por sua imensidão de analfabetos. Dentre os signatários desse importante documento estavam o educador Anísio Teixeira, a escritora Cecília Meirelles e Roquette Pinto, o pai da radiodifusão brasileira.

No trecho que trata da busca por uma propagação de conteúdos considerados fundamentais ao processo educacional e à formação de uma compreensão comum de sociedade, eles foram abertos e taxativos quanto ao uso das mídias no processo educacional: "A escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio". Com essa afirmação eles reconheceram e invocaram o potencial da mídia como parte relevante da comunidade educativa.

A repercussão do pensamento desse grupo diversificado de educadores ganhou concretude na carta constitucional brasileira, que indica uma necessidade de preferência dos meios de comunicação social para as "finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" (art. 221, I). O texto, constante da Constituição de 1988, deve ou deveria alcançar, inclusive, os meios de transmissão de informações e do comércio de conteúdos presentes na rede mundial de computadores.

O tema vem sendo tratado nessas oito décadas ao sabor das inquietações e dos interesses de cada conjuntura. Em 1942, o educador argentino-uruguaio, Mario Kaplún, avançou na perspectiva da inter-relação entre educação e comunicação para a formação cidadã e criou o conceito de educomunicação, tendo ele mesmo se tornado um educomunicador ao trabalhar com o sentido freiriano de visão crítica das mensagens em programas de rádio educativa. Nos anos 1960, a "mídia-educação", foi fomentada pelas Nações Unidas, como alternativa para a formação em escala do sentido da nova ordem da sociedade de consumo.

Ensinar sobre as mídias e com as mídias, dentro de um propósito cidadão e não apenas comercial continuou e continua sendo desafiante. O cabo de guerra entre os interesses da sociedade e do mercado, que já tinha na televisão um problema nada simples de ser resolvido, foi intensificado sobretudo com a massificação da internet nas três últimas décadas. Algumas dessas movimentações ganharam realce em simpósios de grande envergadura, como o que foi realizado pela Unesco, na Alemanha (1982), em cujo documento final - a Declaração de Grunwald - o poder formador da mídia foi reconhecido e valorizado como de destacada importância para o mundo moderno.

A constatação de que as telas, inicialmente de cinema e televisão, e mais recentemente, de computador, celular e tablet, passavam e passaram a "educar" mais do que as escolas e as igrejas, levou os participantes a defesa de uma alfabetização que preparasse as pessoas para esse mundo de poderosas imagens, palavras e sons. Essa proposta de mídiaeducação implicou em reavaliações das prioridades educacionais, voltadas para o envolvimento mais amplo dos responsáveis pela educação - incluindo aí os profissionais de mídia e os tomadores de decisões - na busca pela preparação de uma cidadania responsável.

Passados 25 anos de Grunwald, um encontro semelhante em Paris (2007), reforçou a necessidade da mídia-educação, com ênfase no desenvolvimento das chamadas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). A agenda francesa pregou a vinculação das mídias de massa com a diversidade cultural e direitos humanos, numa articulação capaz de trazer em si escolas, famílias, associações e profissionais de mídia, com vistas à emancipação social.

O tempo passa e cada vez mais as mídias ganham importância na formação das pessoas, fazendo com que o debate se torne dia após dia mais atual e urgente. No início deste mês (1/7) fiz uma palestra sobre o tema "Mídiaeducação: debatendo o papel das mídias na educação para o consumo", no "I Meeting Nacional de Educação e Tecnologia", ocorrido no Teatro Guararapes, do Centro de Convenções de Olinda, em Pernambuco. Para se ter uma ideia do interesse pelo tema, o auditório tinha cerca de 500 pessoas presentes em plena tarde de domingo.

Acredito nessas educadoras e nesses educadores que estão se mexendo como podem entre a especialização e a interdisciplinaridade, entre o curtir e o participar, o físico e o virtual, as culturas e a cultura de massa. Pessoas empenhadas em encontrar o lugar da educação no novo Brasil em curso, na nova configuração geopolítica mundial, nos novos sistemas de comunicação e seus horizontes de teias, nodos e canais, nas novas formas de percepção, compreensão e de atuação cidadã, enfim, nas buscas por ressignificações da modernidade de exceção.

A mídiaeducação é um tema desafiador porque coloca as estruturas de comunicação social dentro do conjunto de sistemas institucionais e de vivências de educação. E hoje esse complexo de núcleos de sociabilidade tem imbricações de elevado poder, perpassando os ambientes familiares, escolares, espirituais, governamentais, empresariais, midiáticos e em grupos de afinidades, que se estendem desde interesses esportivos e artísticos até os de negócios, drogas, violência e de entretenimento.

Nesse cenário de trancelim, onde a joia sagrada é a educação, os encontros e desencontros de expectativas vão gerando dilemas inquietantes. O principal deles está na sensação mútua de potência e de impotência gerada, por um lado, pelo enriquecimento das possibilidades educativas disponíveis nas condições excepcionais de suportes digitais e pelas infovias e, por outro lado, pela dificuldade de encaminhamento dos interesses sociais permanentes, em franca disputa com o imediatismo praticado pela nova economia, de cunho imaterial, que domina o mesmo aparato para a venda de conteúdos.

A gestão social da educação oscila entre ética, estética e consumismo. É quase impossível uma conduta humana decente e sensível em uma situação de predomínio da transferência dos ideais de felicidade para a insaciável aquisição de objetos. Enquanto os anseios de correção de injustiças históricas fragmentam de modo abusivo a estrutura curricular, as escolas que viraram meros pontos de venda tentam destruir o livro para impor o tablet, como se ambos não fossem plataformas de leitura com características específicas.

Nessa geografia de interconexões virtuais, por onde a mente pode transitar com desenvoltura, e dos lugares físicos, onde o corpo pode aferir que tem cabeça, tronco e membros, educar passou a ser um misto de embaraço e ato de coragem. "A carreira ou a vida?", perguntam-se as mães, os pais e cuidadores quando pensam em educação. Fragilizados pela falsa dúvida, muitos decidem pela terceirização dos filhos, entregando-os para a modelagem do inteligente vazio em estabelecimentos comerciais camuflados de educacionais (continua na quinta-feira, 19/07/2012). 

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