
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Serenata para M. E. Walsh - Diário do Nordeste - 27/1/2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Lição chilena de cidadania - Diário do Nordeste - 20/1/2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Aumento do preço do gás provoca revolta no sul do Chile - Direto do Chile Jornalista Flávio Paiva.18/1/2011
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Os modos de Dona Marisa - Diário do Nordeste - 13/1/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Pelo prazer da aventura - Diário do Nordeste - 6/1/2011

Augusto Rocha optou pelo recorte do fascínio que pode haver no cotidiano de uma longa viagem (...) Em "Eu vou no bombo", o autor faz-se também personagem, ao traçar engraçadas caricaturas de si mesmo.
A publicação de relatos de viagens vem ganhando expressão nas prateleiras das livrarias. Encontra-se de tudo: jornadas familiares a lugares inóspitos, narrativas solitárias por regiões inexploradas, momentos de inusitadas descobertas culturais, registros de passeios encantadores e aventuras ecoturísticas. Enfim, experiências de deslocamentos a pé, em veleiros, carros, bicicletas, motos e aviões, por motivos profissionais, diletantes, recreativos e de superação de limites pessoais.
O livro "Eu vou no bombo - apontamentos de um motonauta", de Augusto Rocha (Relevo, 2010), lançado no último dia 26 de dezembro, por ocasião das comemorações dos 293 anos de emancipação do município piauiense de Oeiras, traz uma divertida aventura focada no enredo de um oieirense radicado em Fortaleza, que resolveu com espírito prático e positivo ir de moto a Ushuaia, no extremo sul da América do Sul, em um trajeto de cerca de 22 mil quilômetros, ida e volta.
Em tom pessoal, o autor descreve toda a preparação para a viagem e tudo o que surgiu de bom e ruim pelo caminho. Ser e indivíduo comungam de um mesmo fim, que é fazer a aventura em si. Essa é uma distinção do livro de Augusto Rocha, que poupa o leitor de proselitismos espirituais, com pensamentos, ensinamentos e lições, embora sua precisão narrativa dê muitas vezes a sensação de que faltam mais enxertos de referências culturais.
Augusto Rocha optou pelo recorte do fascínio que pode haver no cotidiano de uma longa viagem. Evitou degringolar para o mito da solidão, ao sair logo de partida acompanhado, ou melhor, acompanhando o amigo Everardo Luz, o Verô, que já havia trilhado o mesmo percurso.
É interessante observar como Verô não interfere na viagem interna do autor. Ele aparece nas crônicas como um personagem elevado ao plano da admiração, que está sempre rodando à frente, observado em sua trajetória e comportamento quase sempre irreparáveis.
"Meu comparte é um verdadeiro motociclista na acepção plena da palavra. Disciplinado, tenaz, é capaz de pilotar horas a fio, sem demonstrar cansaço ou impaciência (...) Reparo o cuidado que tem a cada abastecimento (...) jamais negligencia a lubrificação da corrente (...) verifica o estado do óleo do motor" (p. 139). Além dessa figura de guia exemplar, ele entra no relato em casos especiais, como nos instantes de recordação da viagem que fez anteriormente com outro motociclista, chamado Domingos Damasceno.
Domingos é o presidente honorário do moto clube "Companheiros do Asfalto", que havia feito essa viagem a Ushuaia com Verô. Na história contada por Augusto Rocha ele aparece como um terceiro companheiro da viagem, como o amigo que foi, mesmo tendo ficado.
Várias paradas e fotos são feitas durante a viagem com o intuito claro de levar a imagem para o Domingos conferir, na volta a Oeiras. Ao avistar a placa anunciando a chegada a Ushuaia, o autor sentencia a si mesmo:"Se eu não tirar um foto aqui, o Domingos não me perdoa" (p. 164). Esse misto de satisfação e cobrança aparece pontualmente ao longo do texto.
As fotos, os lugares, não parecem tão importantes para Augusto Rocha quanto as mudanças no tempo, os problemas mecânicos, os acidentes na estrada, a tensão do abastecimento em estradas de poucos postos, os riscos das lombadas sem sinalização, o gelo fino escorregadio, a pavimentação marcada por pedras miúdas, as dúvidas, os medos e os fortes e constantes ventos patagônicos.
Dentre as poucas exceções, está a foto da Mão do Deserto, em Antofagasta. "A visão insólita, uma mão enorme de concreto, espalmada, surgindo de dentro da areia do deserto. Está sozinha, no meio do mundo, longe de tudo e perto de lugar algum" (p. 101).
A imagem emblemática está entre os seus troféus de viagem, como o relato do dia em que ele perdeu a chave da moto nas areias do deserto de Atacama e uma mulher a encontrou. É que o metabolismo aventureiro de Augusto Rocha é cheio de ponderações bem particulares.
"Não posso, nem tampouco pretendo, vencer meus medos. Se assim o fizesse poderia pôr em risco minha sobrevivência, mas é possível conviver com eles sem me deixar subjugar" (p. 107), escreve após lembrar-se da frase gravada no Brasão das Armas do Estado do Piauí ("O corajoso não teme as desgraças"), como ato heroico nos momentos difíceis.
Em "Eu vou no bombo", o autor faz-se também personagem, ao traçar engraçadas caricaturas de si mesmo. Embora filho de Oeiras, a capital cultural do Piauí, Augusto Rocha sente-se adotado por Fortaleza, onde fez Economia na UFC, trabalha como Auditor Fiscal, mora com a família e é confundido com cearense por ter, digamos, uma cabeça avantajada: "Acho que reconheceu meu sotaque ou reparou no tamanho da minha cabeça" (p. 71), denota ao ser abordado por uma garçonete no interior de São Paulo. "Minha cabeça enorme tornou a criar problemas, nenhum capacete era suficientemente grande para mim" (p. 119), relata em sua frustrada escalada ao vulcão Villa Rica.
Pelo que dá a entender, não há modelagem conceitual do autor nessa questão. Ele é assim mesmo. Que o diga o bom humor com que conta da dificuldade de argentinos e chilenos de entenderem o seu sofrido portunhol: "Buenas noches! Ustedes sabe adonde posso encontrar um hotel?" (p. 81).
Tiradas como essa aparecem naturalmente ao longo das páginas de "Eu vou no bombo". Em um determinado momento ele compara o cheiro nada agradável do seu corpo, ao tirar a jaqueta depois de um longo trecho sem tomar banho, com o fedor de quem tira o gesso depois de alguns dias imobilizado.
Há sempre uma associação lúdica no "pensamento alto" de Augusto Rocha. Quando ele jogar bola de neve em personagens imaginários, afirma que está "lembrando as guerras de neve que conhecia dos desenhos animados" (p. 119). Ao se deparar com situações de mochileiros, recorda do tempo em que, estudante, tentou se aventurar de mochila nas costas e "terminou em grande fiasco minha aventura como carona" (p. 100). Diante da demora em atravessar um longo túnel, faz o cruzamento de sensações claustrofóbicas. "Comecei a ficar agoniado. Certa vez fiz uma ressonância magnética (...) não resisti e enfiei com ânsia o dedo no biloto do bastão" (p. 110 e 111).
A narrativa de "Eu vou no bombo" tem essa característica de recriação, o que provavelmente reforçou o desejo do autor de compartilhar sua aventura. Tanto que depois de chegar a Ushuaia, tratou logo de pedir ao Verô que traçasse o caminho mais curto para chegar o mais rápido possível ao Brasil: "Nada de fotos, nada de parar" (p. 177).
Ao retornar, porém, notou que todo mundo queria saber como tinha sido a viagem ao "Fin del Mundo", mas no fundo ninguém parava para ouvir. A saída foi fazer um livro como uma forma de contar sem ser interrompido, sobretudo por aqueles que sempre procuravam narrar uma história parecida de alguma aventura realizada antes da dele.
O título do livro de Augusto Rocha é bem oreiense. Ele conta que certa vez o velho Tomáz, tocador de bumbo na banda da cidade, brincou com Péricles Portela, que era conhecido por carregar a cruz nos enterros. Tomáz teria brincado com Péricles, dizendo que quando este morresse, ele cuidaria de levar a sua cruz. No que Péricles respondeu de pronto: "Pois eu vou no bombo!".
O autor explica que a expressão passou a significar popularmente "a vontade intempestiva de fazer algo". Explica também que no finalzinho da viagem, após receber uma resposta afirmativa à pergunta se o amigo Verô voltaria a Ushuaia, replicou com convicção: "Pois eu vou no bombo!".
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Ana de Hollanda e o Direito Autoral - Diário do Nordeste - 30/12/2010

A cantora e atriz Ana de Hollanda, ministra da cultura nomeada pela presidenta Dilma Rousseff, vai rever o projeto que altera a Lei 9610/98, que regula os direitos autorais no Brasil. Ela tem declarado que é a favor da flexibilização do uso de obras autorais, mas não concorda que os autores sejam desapropriados, como querem as corporações do novo mercado de conteúdos.
Desde 2005 que o Ministério da Cultura (MinC) vem mexendo com esse assunto e não consegue chegar a um texto ideal. A dificuldade toda é que o debate partiu de uma fundamentação ambígua: o discurso defendia a democratização da cultura, quando na prática o que estava em jogo era o conflito entre o velho e o novo sistema comercial de produtos e serviços culturais.
O MinC iniciou as consultas públicas para a reforma da lei, impondo a gestão de licenciamento de música por meio de "creative commons", desconstruindo o sentido de autoria, antes mesmo do estabelecimento de um marco legal para o uso da internet. Abraçou o novo modelo de copyright (direito de cópia) estadunidense, disseminado desde 2002 por essa organização "laranja", chamada Creative Commons, voltada para os interesses do mercado de computadores, softwares, telefones, buscadores e provedores de acesso à Internet.
Como os conteúdos passaram a ser bens muito valiosos na nova economia, o que seria um segundo movimento da globalização econômica - o primeiro foi a ampliação da escala produtiva mundial com o aproveitamento da mão-de-obra barata dos países subdesenvolvidos - criou esse artifício para induzir, por constrangimento social ou por obrigatoriedade compulsória, os autores a renunciarem publicamente no todo ou em parte, seus direitos conferidos por lei e pactuados em convenções internacionais.
Com dois pesos e duas medidas, ficou impraticável que governo, mercado e sociedade chegassem a um consenso. Para saquear de forma acintosa um patrimônio que pertence aos criadores, as corporações do mercado digital se infiltraram nos órgãos de cultura, com uma retórica de criação de riqueza para todos, mas trabalhando a redução do caráter estético, vinculado ao autor, a uma função utilitária da obra de arte ou literária, associada especificamente ao direito comercial.
Na Convenção da Diversidade Cultural, realizada pelas Nações Unidas (2005) os "especialistas da economia criativa" foram orientados a valorizar o patrimônio simbólico como forma de beneficiar a livre concorrência. Em nome da "função social da propriedade intelectual", os autores deveriam deixar de ser gananciosos e abrir mão do recebimento pelo seu trabalho de criação, para que as corporações (que vendem conteúdos financiados por publicidade e cessão de cadastros de usuários) pudessem promover a globalização econômica e social da cultura.
Essa vulgata incorporada pelo MinC passou a fomentar uma indisposição dos usuários de cultura contra o Direito Autoral, inclusive com editais modelados em situações causadoras da impressão de que os autores estão atrapalhando a socialização do conhecimento, dos saberes e das obras criativas da humanidade. É quase inacreditável que o mesmo ministério que criou programas de tanta grandeza como os Pontos de Cultura tenha entrado na onda da mediocrização da condição humana, típica de um modelo de sociedade instrumental, inspirado na supremacia técnica.
A perversão do perfil de negócio no meio musical não é coisa nova. Muitas bandas foram transformadas em marcas de festas, cujos proprietários passaram a alterar seus integrantes conforme demanda, podendo fazer inclusive apresentações simultâneas em diferentes lugares. Lembro-me de uma entrevista que fizemos em 29/05/2007 com o Emanoel Gurgel, dono da banda Mastruz com Leite, na qual ele afirmava com rara sinceridade empresarial que o CD tinha virado apenas cartão de visita.
"Quanto mais músicas eu espalhar, mas tenho como levar as pessoas para dançar os sucessos na festa. A festa é o negócio. Descobri isso há 15 anos. O segredo para mim é não ter intermediário" (PINHEIRO, Andréa e PAIVA, Flávio, in: Na trilha do disco - relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil, E-papers, Rio de Janeiro, 2010).
A despeito de não concordar com a maneira como essa nova configuração de negócio passou a explorar os artistas, vejo com mais simpatia declarações claras como essa do Emanoel Gurgel do que o discurso atravessado e nebuloso do MinC. Mesmo assim, diante de tudo que ocorreu, acho que o resultado da proposta de alteração da lei brasileira até que está bem próxima do possível. É natural que a adequação das leis de direitos autorais aos novos padrões tecnológicos e de comportamento precise de algumas flexibilidades, como admite a ministra Ana de Hollanda.
Referindo-se ao ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), a ministra adianta que não vê sentido subordinar uma entidade de classe ao poder executivo, como pretende o anteprojeto. Entretanto, algo precisa ser feito porque do mesmo jeito que os autores não merecem ser planificados pelo rolo compressor das multinacionais do mercado de conteúdos, é inaceitável que os compositores fiquem à mercê do cartel do ECAD, montado em um sistema de excelência tecnológica e policialesca para arrecadar, mas cheio de corpo mole e de "deficiência prática" na hora de distribuir.
Ana de Hollanda, na condição de filha de Sérgio Buarque, irmã de Chico e senhora de uma consistente experiência como artista e gestora cultural, sabe muito bem o tanto que o Brasil precisa contar com a cultura para poder entrar de fato no mercado da economia criativa. Deixando seus compositores à míngua, o País, um dos mais férteis do mundo em inventividade musical, somente reforçará a concentração do mercado fonográfico mundial, 80% dominado pela Alemanha, Estados Unidos, Holanda e Áustria. Na balança comercial o déficit brasileiro é de aproximadamente um bilhão de reais na área cultural.
A determinação de que vai rever a proposta de reformulação da Lei de Direitos Autorais é um sinal de que Ana de Hollanda está disposta a uma ação sociocultural e política do Estado, diante desse controle da cultura pelo mercado. Na entrevista coletiva que concedeu à imprensa no dia 22 passado, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, ela destacou que pretende aproximar a cultura da educação. No campo da música, por exemplo, isso será formidável, considerando que o até o mês de agosto de 2011 as escolas brasileiras oferecerão obrigatoriamente o ensino da música na Educação Básica.
Um ponto que merece ser revisto na questão do Direito Autoral é o imbróglio que foi feito entre Propriedade Intelectual, como produção funcional, e Direito de Autor, enquanto criação artística e literária. Esse é o calcanhar de aquiles nesse debate. É muito vulnerável a compreensão do que distingue uma obra que não depende necessariamente do mercado para cumprir a sua função social ou existencial e a criação de um novo "software", do "design" de um carro e de um "jingle", que têm em comum um sentido funcional, quer seja produzido de forma independente ou sob contrato de trabalho.
Em linhas gerais, o desafio que a ministra Ana de Hollanda coloca para a sua gestão, no que diz respeito a Direito Autoral, passa por um aperfeiçoamento dos resultados dos esforços controversos que o MinC vem fazendo em favor da economia e do acesso democrático à cultura.
Nesses cinco anos de estica e puxa, fiz várias reflexões sobre esse assunto, parte delas expostas novamente aqui. Para mim, o que deveria orientar essa discussão seria o princípio de que todo produto e todo serviço protegido por esses direitos deveriam ser liberados para cópia e compartilhamento, exceto se utilizados para fins comerciais, institucionais e políticos, com a devida remuneração dos autores.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
A marca autoral do consumidor - Diário do Nordeste - 23/12/2010

Dezembro de 2010. A economia mundial continua sob os efeitos cambaleantes da quebra do sistema hipotecário estadunidense que levou a colapso o mercado financeiro em 2008. No Brasil, a situação desvia-se da regra, em consequência da combinação de fatores como renda maior, desemprego menor, ampliação da base de consumidores, aumento de crédito e a queda no preço dos importados, provocada pela desvalorização do real na guerra do câmbio.
Em 2008, pouco antes da crise, um estudo da agência norte-americana Young & Rubican traçava o perfil do que os consumidores tinham em comum, independente de classe social, gênero, poder aquisitivo, faixa etária e referências culturais. Com variação de predominância por região, os tipos resumiam-se entre: a) fieis a marcas tradicionais, b) ostentadores do status de consumidor; c) compradores comedidos; d) novidadeiros; e) politicamente corretos; f) avessos a inovações; e g) voltados para preços e gratificação instantânea.
No mesmo ano de 2008, as principais megatendências de estilo de consumo, projetadas pela Future Concept Lab, empresa italiana de pesquisa social e de mercado, apontavam para: a) a gratuidade da experiência compartilhada; b) o gosto autêntico como impulsionador de compra; c) a atração pelas linguagens lúdicas; d) a regeneração dos estilos do passado; e) a circunstância como resposta às paixões; f) a qualidade do tempo e do espaço como variável do desejo.
As duas prospecções oferecem um panorama bem razoável das características do consumidor contemporâneo. Francesco Morace, presidente da FCL chegou a organizar um livro, intitulado "Consumo Autoral - as gerações como empresas criativas" (Estação das Letras e das Cores, SP, 2009), no qual tenta mostrar a unicidade existente em fenômenos aparentemente distintos. Neste aspecto, ele descola o consumidor que é ao mesmo tempo autor e ator de suas próprias escolhas de consumo, daquele sobre o qual ainda prevalece a influência das marcas e da publicidade.
Achei formidável esse conceito de o consumidor ter uma marca autoral. O que o meu pensamento passa à margem da tese de Morace é quanto aos motivos que podem levar as pessoas a essa condição de autonomia nas decisões de compra. Ele acredita que florescerá da cultura colaborativa, fomentada pela nova economia, um novo consumidor que considerará as marcas e os produtos seus companheiros de vida. Particularmente entendo que parte da sociedade caminha para o consumo autoral, mas como expressão consciente do que tenho chamado de social-ambientalismo participativo.
Os colaboradores de Francesco Morace entendem que para esse consumidor autor desabrochar faz-se necessário repensar, recriar e redesenhar o mercado, de forma a contemplar o sentido de inovação existente na experiência do consumidor. Acreditam que os bens de criatividade já são uma prioridade para muitos indivíduos. Entenda-se aí como bem de criatividade, os relacionais, os culturais, enfim, os de longo prazo; diferentes, portanto dos bens de conforto, voltados para estímulos imediatos, de curto prazo.
A grande revolução no consumo seria, nessa hipótese, a união da criatividade com o conforto. O uso da rede mundial de computadores e das tecnologias digitais por comunidades colaborativas para o desenvolvimento de projetos comuns seria uma maneira de chegar a uma visão neorrenascentista das profissões, do consumo e do mercado. Algo como uma retomada dos valores humanos, pelo abandono da velha lógica de uma globalização surda a qualquer diferença.
No novo mundo do consumo autoral, as pessoas exercitariam a capacidade de escolher, de interpretar, combinar livremente serviços, produtos e estéticas porque teriam seus genius loci respeitados e uma coerência experiencial de serem consumidores de produtos e serviços dos quais têm participação como protagonistas criativos. Não sei não, essa vulgata me parece mais uma justificativa para a socialização de produtividade, em favor de uma nova mais valia.
O estudo da Future Concept Lab insiste em avisar que a nova economia teria revolucionado os valores essenciais da existência, alterando assim a racionalidade que tem guiado o comportamento dos indivíduos no mundo do consumo. O consumidor autoral, urdido por novos modelos de pensamento coletivizado, estaria com seu campo estético mais alargado e poderia assumir o papel antes atribuído ao crítico. Isso o faria ter uma inteligência de escolha orientada por sua própria sensibilidade.
Como cogitação do processo dialético esses argumentos são atraentes e me parecem necessários ao avanço das urgentes discussões relativas ao consumo. Afinal, a ideologia do consumismo vigente nos faz devorar ¼ a mais do que as condições de reposição da natureza. Mas, sinceramente, não espero consciência de consumo advinda desse novo processo de exploração do capitalismo. As infovias estão controladas por novos sistemas de captura de lucros em tempo real e à base de seguidores que interagem enquanto compram e ajudam a vender.
A intensificação da convergência pela busca dos mesmos eletroeletrônicos de tecnologia mais avançada, tipo tevê de tela plana, celulares e netbooks, é uma prova de que há uma forte onda dirigindo os impulsos de consumo. Tudo isso pode, sim, estar sendo construído de forma colaborativa. Quer dizer: independentemente de quem sejam, de como e onde vivam ou de suas condições culturais, ao serem assimilados como seguidos ou seguidores, os usuários assumem uma sintonia coletiva, capaz de torná-los marqueteiros sem causa.
O que seria consumo autoral nesses casos acontece em um brete comercial de pouca graça. Explico melhor: você pode escolher um aparelho celular que dance tango e que fotografe no escuro. Faça o que quiser, escolha o que quiser, desde que compre um novo celular. Isso me parece com a variante da teoria dos jogos que leva um participante a tomar uma determinada decisão por considerar que os outros estão se comportando do mesmo jeito.
Para mim, a tendência a um autêntico consumo autoral somente será confirmada no dia que deixarmos de pensar na popularização do acesso ao mundo das redes digitais por motivos prioritariamente econômicos. As políticas de banda larga deveriam antes de tudo serem fundamentadas em razões culturais. Encaradas assim, ter um computador deixaria de ser uma estatística de inclusão para ser uma inclusão no debate do que fazer com ele. O consumo autoral deve estar além da noção de serviços ou produtos, cujos pressupostos ainda são pouco claros em uma sociedade modelada por impulsos consumistas.
A internet produziu uma excelente inflexão em nossos parâmetros de consumo, tanto na pesquisa de preços quanto nas opções de compra e no exercício dos direitos do consumidor. Espalhar na rede experiências de compra, principalmente quando negativas, tem sido comum, até como desabafo, catarse, demonstração do novo poder de afirmação e de negação da parte do consumidor. Isso não significa, todavia, que estejamos inclinados a deixar de lado a economia de consumo para voltarmos a uma economia de produção.
Esteja no perfil sistematizado pela Young & Rubican ou dentro das megatendências projetadas pela Future Concept Lab, a marca autoral do consumidor é um tema empolgante e necessário. A reversão do quadro de degradação do planeta está diretamente associada à nossa tomada de consciência no que diz respeito à sustentabilidade. Isso, sim, pode nos levar definitivamente a assinar nossas escolhas.